GUERRA NO LESTE EUROPEU

Quando os opostos convergem

Em meio à guerra iniciada pela Rússia a quase 11 mil quilômetros de Brasília, militantes, políticos e personalidades de diferentes ideologias buscam se posicionar sobre a ação militar na Ucrânia. No entanto, muitas vezes, observa-se uma mistura de discursos: metade direita, metade esquerda, colocando as duas alas, por vezes, na mesma bandeja. 

Enquanto uma parte da direita brasileira flerta com o autoritarismo russo e é pró-armamentistas, outra prefere não se posicionar, ou fazê-lo com cautela, por haver questões comerciais envolvidas, que poderiam prejudicar o Brasil. Já na esquerda, a base da discussão fica entre socialismo e antiamericanismo. 

Enrique Natalino, doutor em ciência política e especialista em política internacional, explica que o fascínio que a Rússia e a figura de Vladimir Putin provocam em lideranças e em partidos de esquerda e de direita no Brasil advém de diferentes causas. O que os une "é uma leitura maniqueísta da ordem internacional, que se baseia em afinidades ideológicas entre lideranças e regimes".

Segundo o especialista, para alguns partidos e lideranças da esquerda mais radical, a defesa da Rússia durante o embate com a Ucrânia tem raízes antiamericanas. "Para alguns setores da sociedade brasileira e latino-americana, ainda há uma certa nostalgia em relação ao que a União Soviética representava para o movimento comunista internacional e para os partidos socialistas da América Latina", diz.

Enquanto isso, do lado contrário, para alguns partidos e lideranças de direita no Brasil, a questão central na guerra iniciada pela Rússia é a defesa da soberania nacional "como um princípio sagrado e incontestável contra a ideia de globalismo", explica o especialista. "A Rússia seria, portanto, um bastião de resistência das ideias de pátria, família e Deus, num mundo globalizado. A exaltação do nacionalismo e do militarismo completa esse pacote ideológico. Nesse sentido, a atração de figuras de extrema-direita pela Rússia atual reside na grande admiração que nutrem pelo regime antiliberal implantado por Vladimir Putin", pontua Natalino.

Valores

O cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira, Josué Medeiros, reforça que "setores bolsonaristas veem em Putin um líder forte, promotor dos valores tradicionais e defensor da pátria. Eles projetam para Bolsonaro o mesmo papel".

No entanto, Medeiros ressalta que a condenação da invasão russa na Ucrânia é uma posição majoritária, tanto das esquerdas quanto das direitas brasileiras. "Há, de fato, uma coincidência de posições quando analisamos esses setores, mas reforço se tratar de minorias tanto à esquerda quanto à direita", avalia.

Já o cientista político Antônio Testa aponta que a narrativa russa contra a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) pode confundir os brasileiros. "No Brasil, os discursos desses tipos de esquerda e direita são meramente oportunistas, a meu ver. Nenhum dos dois lados avalia a dimensão real do conflito e seu impacto na economia brasileira", observa.