Sem energia elétrica, alimentos, água, gás e transporte, os moradores de Mariupol, cidade portuária com cerca de 450 mil habitantes cercada pelas forças russas, não puderam deixar suas casas. Em Volnovakha, a 65km de distância, somente 400 pessoas, das 15 mil esperadas, conseguiram ser retiradas com segurança, de acordo com Pavlo Kirilenko, chefe da Administração Regional de Donetsk.
A Ucrânia acusa Moscou de violar o cessar-fogo temporário, que permitiria aos civis escaparem de Volnovakha e Mariupol — esta última, uma das principais zonas de combate da guerra. Em um comunicado pela televisão, o conselheiro presidencial ucraniano Oleksiy Arestovych acusou a Rússia de não observar o acordo anunciado na sexta-feira. Por sua vez, o ministro russo da Defesa, Igor Konashenkov, afirmou que foram abertos corredores humanitários, mas que o Exército "retomou a ofensiva" por "falta de vontade" da Ucrânia. "Devido à falta de vontade do lado ucraniano de influenciar os nacionalistas ou prolongar o cessar-fogo, as operações ofensivas foram retomadas às 18h de Moscou (12h de Brasília)", afirmou, em uma mensagem de vídeo. "Os habitantes destas cidades são mantidos por grupos nacionalistas como escudos humanos", acrescentou Konashenkov.
Porém Vadym Boichenko, prefeito de Mariupol, de onde 200 mil pessoas deveriam ter sido evacuadas, acusou a Rússia de não cumprir o cessar-fogo, e pediu que os cidadãos voltassem para suas casas ou para os abrigos onde estão instalados. Pelo aplicativo de mensagens Telegram, ele informou que a operação "foi adiada por razões de segurança, porque as forças russas continuam bombardeando Mariupol e seus arredores".
Em 10 dias de invasão russa, mais de 1,37 milhão de refugiados ucranianos fugiram do país, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), número que deveria subir para 1,5 milhão na noite de ontem. O Conselho de Segurança terá uma reunião de emergência amanhã sobre a crise humanitária na Ucrânia.
Estratégia
O controle de Mariupol tem caráter estratégico para a Rússia, porque permitiria uma continuidade territorial entre suas forças procedentes da península de Crimeia e as unidades dos territórios separatistas pró-Moscou da região ucraniana de Donbass, ao leste. Apesar da insistência do presidente russo Vladimir Putin de que o Exército não ataca áreas residenciais, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR) descreveu a situação no local como "desoladora".
Um funcionário da organização não-governamental Médicos Sem Fronteiras (MSF), que está refugiado na cidade com sua família, afirmou à agência de notícias France Presse que eles coletaram neve e chuva para utilizar, diante da impossibilidade de conseguir água, devido às longas filas nos locais de distribuição. "Queríamos conseguir também o pão 'social' (distribuído pelas autoridades locais), mas o horário e os pontos de distribuição não estavam claros. Segundo a população, muitos armazéns foram destruídos pelos mísseis e o que sobrou foi levado pelas pessoas mais necessitadas", disse.
Em Volnovakha, o ataque é tão intenso que há cadáveres não recolhidos nas ruas, disse o deputado local Dmytro Lubinets, citado pelo site do jornal britânico The Guardian. Os cidadãos que se escondem em abrigos estão ficando sem comida, e cerca de 90% da cidade foi danificada por bombardeios, afirmou o parlamentar.
"Covardia"
Ontem, as tropas russas continuavam a se aproximar da capital Kiev, onde encontram uma intensa resistência, e bombardearam bairros dos subúrbios ao oeste da cidade ucraniana. Chernihiv, ao norte, também é alvo de bombardeios constantes, que deixaram muitas vítimas civis nos últimos dias. Em Kharkiv, cenário dos bombardeios mais intensos no início da guerra, as tropas ucranianas executaram um contra-ataque, segundo o governo da Ucrânia.
O ministro ucraniano da Defesa, Oleksiy Reznikov, afirmou ontem que a Rússia mudou de tática, ao observar a resistência que freou seu aparente plano de conquistar rapidamente as grandes cidades e derrubar o governo do presidente Volodymyr Zelensky. "Sim, o inimigo avançou em algumas direções, mas controla apenas uma pequena área. Nossos defensores estão impedindo e expulsando os ocupantes", afirmou, no Facebook. "Aviação de todo tipo bombardeia cidades e infraestruturas civis", acrescentou, antes de acusar o Exército russo de "covardia" e de ter capacidade apenas de atacar "crianças, mulheres, civis desarmados".
Desde que o presidente Vladimir Putin ordenou a invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro, a Rússia bombardeou várias cidades e matou centenas de civis. Também atacou a maior central nuclear da Europa, provocando um incêndio que gerou o temor de uma nova catástrofe nuclear como a de Chernobyl, em 1986.