“Uma ressaca no colapso da União Soviética”. É como resume o que ocorre atualmente no leste europeu o cientista político Maurício Santoro, que acaba de desembarcar no Brasil vindo de Washington, capital dos Estados Unidos. Em entrevista ao Correio, ele lembra que a tensão entre Rússia e Ucrânia acontece desde 2014, mas que o quadro é fruto de eventos que ocorreram nos últimos 30 anos. Para o especialista, a pandemia tirou o foco do mundo no que Moscou fazia e fez Vladimir Putin calcular sua autonomia na região.
Segundo o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), os ânimos em Washingon estão exaltados, mas “há uma divisão clara: embaixadas, jornalistas e o governo sentem a tensão, estão atentos às questões geopolíticas”. O conflito, porém, não afeta o cotidiano das pessoas, pontua. “A preocupação dos cidadãos comuns é focada nas questões raciais — algo muito forte na sociedade americana; inflação e desemprego. Não estão olhando para a Ucrânia. Isso é assunto do governo”, completa.
Quando perguntado sobre a posição do presidente dos EUA, Joe Biden, pela não intervenção militar, apenas sanções econômicas, o professor diz que o clima no país não é para guerra. “Biden é um presidente impopular e com baixo carisma. Os americanos estão cansados de irem à guerra. O que deve ocorrer é o envio de ajuda humanitária à Ucrânia”, comenta.
Santoro destaca que, apesar do clima interno não ser de animosidade militar, haverá um problema de credibilidade da Casa Branca frente à Europa, que esperava mais de Washington.
Brasil
Nesta quarta-feira (2/3), o Brasil votou ao lado de mais 141 países pela resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a invasão da Ucrânia. Santoro explica que, no Brasil, há três narrativas descoladas sobre o conflito: do Itamaraty — que manteve sua política de neutralidade histórica com a nota emitida em 24 de fevereiro; do presidente Jair Bolsonaro — que declarou solidariedade à Rússia durante sua visita ao país no escalar de tensões; e do vice-presidente Hamilton Mourão — que repudiou o ato e agiu conforme o esperado pela comunidade internacional. “O governo tem uma política externa hoje muito frágil”, destaca.
“Neste conflito não somos as prioridades, como EUA, Rússia, China”, observa. Todavia, o cientista político recorda que o Brasil é um país importante internacionalmente, entre as maiores economias capitalistas do mundo, líder regional e parte dos Brics (grupo dos países emergentes que Rússia e China estão inseridos) e que ensaia uma entrada na OCDE (grupo dos países desenvolvidos que os EUA e a União Europeia integram).
Para completar o quadro, há ainda outra cisão fora do Palácio do Planalto, no Congresso Nacional. “Temos uma esquerda antiga que vê a Rússia e a China como um contrapeso aos EUA. Do outro lado, liberais que pensam o mesmo dos EUA contra Rússia e China”, afirma.
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