Uma história de amor de um casal brasileiro iniciada pela internet há 15 anos foi interrompida tragicamente na última sexta-feira (18/2) com a tempestade Eunice, que atingiu o Reino Unido e partes da Europa Ocidental com ventos de até 200 km/h.
Juliana da Silva Queiroz Murilo, de 37 anos, estava no banco de passageiro do carro que seu marido, Carlos Murilo, de 39 anos, dirigia quando uma árvore desabou sobre o veículo devido ao vendaval e a matou.
Ainda muito abalado pela perda e bastante emocionado, Carlos recebeu a reportagem da BBC News Brasil em sua casa no norte de Londres e contou os últimos momentos do casal.
"A árvore atingiu principalmente o lado da Juliana. Ainda pude ouvi-la falar bem baixinho, chorando: 'amor', 'amor'. Não sei como sobrevivi. Foi um milagre. Perdi o amor da minha vida. Minha vida acabou", diz chorando à BBC News Brasil.
Juliana era professora no Brasil e trabalhava como faxineira em Londres. Carlos era motorista de aplicativo e pintor de paredes. Naquele dia, ele a havia buscado às 15h30 após o fim do turno de trabalho de Juliana, como sempre fazia. No caminho, viu algumas árvores caídas e chegou, inclusive, a comentar com a esposa que estava apreensivo.
"Disse a ela que não trabalharia naquele dia depois que voltássemos para casa, pois ventava muito", diz.
Mas a cinco minutos de casa, quando o casal passava por uma rua movimentada, a imensa árvore caiu inesperadamente sobre o carro. Com o impacto, eles ficaram presos nas ferragens. Com o tronco prendendo seu corpo, Carlos permaneceu imobilizado entre o banco e o volante, com o corpo prostrado e não conseguia se mover. Mas conseguiu alcançar o telefone e ligar para um dos irmãos, que também mora em Londres.
"Estava zonzo, mas consciente todo o tempo. Uma mulher chegou, segurou minha mão até os paramédicos chegarem e disse que tudo ia ficar bem."
Segundo Carlos, operários de um galpão próximo do local do acidente chegaram a quebrar duas empilhadeiras tentando levantar a árvore do carro, sem sucesso — tamanho era seu peso. Tiveram que esperar a chegada do resgate.
"Quando me tiraram das ferragens e me colocaram dentro da ambulância, foi quando me deram a notícia de que a Juliana havia falecido. Não pude acreditar. E ainda não acredito. Queria ter morrido também", diz.
Ali terminou tragicamente uma linda história de amor iniciada em 2007 — neste ano, Carlos e Juliana comemorariam 15 anos de casados e planejavam ir a Bora Bora, na Polinésia Francesa.
"A gente era inseparável. Todo mundo dizia que éramos um só. Queríamos comemorar a data com uma viagem a Bora Bora. Temos uma vida muito humilde aqui, mas íamos economizar bastante para concretizar esse sonho nosso", diz Carlos, da sala de seu apartamento de um quarto no norte de Londres.
Ambos evangélicos, o casal se conheceu pela internet antes de os populares aplicativos de namoro surgirem. Ambos são do interior paulista, mas, na época, Carlos morava na Itália e Juliana, no Brasil.
"A nossa igreja tinha um grupo no Messenger (aplicativo de mensagens instantâneas) e começamos a conversar por lá. O papo engrenou e fui ao Brasil conhecê-la. Foi amor à primeira vista. Naquele mesmo ano, noivamos e, logo depois, casamos. Estávamos juntos deste então".
O casal deixou o Brasil rumo a Portugal e depois à Espanha. A última parada foi em Londres, onde já moravam os irmãos de Carlos.
"Depois de alguns anos, decidimos voltar para o Brasil e montamos um café no interior paulista. Foi eleito o melhor café da cidade onde morávamos. Mas começamos a ficar muito preocupados com a segurança; naquela época, havia muitas explosões de caixas eletrônicos por criminosos, e decidimos voltar para Londres", conta.
De volta à capital britânica, os dois trabalhavam duro. Juliana tentava validar o diploma de professora e queria trabalhar como assistente de ensino em uma escola. Estava a ponto de conseguir.
"Ela era uma menina muito dedicada, muito organizada, muito esforçada. Todo mundo gostava dela. Não a via como minha nora, mas como minha filha", diz Marlene, mãe de Carlos.
'Meu peixinho'
Carlos conta que a última viagem do casal, em setembro do ano passado, foi a Menorca, uma ilha ao sul da Espanha. Ali, Juliana pode colocar em prática os ensinamentos do marido.
"Ela não sabia nadar. Tinha muito medo de água. Mas eu a ensinei a nadar. Chamava-a de 'meu peixinho'. Frequentávamos a piscina três vezes por semana. Mas agora tudo acabou. Sou apaixonado por natação, mas não sei como conseguirei voltar àquela piscina sem me lembrar da minha esposa."
Com o apoio da família e dos irmãos, o corpo de Juliana estaria em um pequeno funeral em Londres antes de partir para o Brasil, onde Carlos pretende enterrar a esposa, em sua cidade-natal, Rio das Pedras, no interior de São Paulo.
"Quando fui levado ao hospital, cheguei a pedir ao médico para tirar a minha vida. Mas graças a Deus tenho uma ampla rede de suporte aqui, minha família e meus amigos", diz.
Negligência
Carlos reclama também da negligência das autoridades municipais quanto ao estado em que árvore se encontrava.
"Foi uma tragédia, mas poderia ser evitada. Por que não tiraram aquela árvore dali? Ela estava totalmente podre. Se não fosse a Juliana, poderia ter sido outra pessoa, uma família, crianças…"
Carlos mostrou à reportagem da BBC pedaços da árvore que recolheu do local do acidente. A madeira se esfarelava na mão, como um isopor.
"Quero justiça por Juliana. Ela não merecia uma morte dessa", diz.
A BBC News Brasil entrou em contato com a sub-prefeitura de Haringey, mas não obteve retorno até a conclusão dessa reportagem.
O sub-prefeito de Haringey, Adam Jogee, escreveu no Twitter: "A mais triste das notícias de Haringey. Envio minhas mais profundas condolências, e as de todo o nosso povo, à família e amigos da mulher que perdeu a vida em #MuswellHill. Que sua memória seja uma bênção."
Para Carlos, permanecem as memórias de sua esposa e um sentimento de gratidão a todos os envolvidos no resgate.
"Quero agradecer do fundo do meu coração a todas as pessoas que nos ajudaram e estão nos ajudando neste momento tão difícil para nós", conclui.
Rajadas de mais de 200 km/h
A tempestade Eunice levou o serviço meteorológico britânico a emitir um raro alerta vermelho em meados de fevereiro.
Ao atingir o Reino Unido e a Irlanda, trouxe rajadas de vento recordes de mais de 200 km/h, causando danos e interrupções no sistema de transporte.
Várias árvores foram vistas caídas em calçadas, estradas e linhas ferroviárias em Londres.
Além de Juliana, pelo menos quatro pessoas morreram no Reino Unido.
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