Um ucraniano, de 47 anos, que decidiu retornar sozinho à Mariupol, uma das cidades mais dizimadas pelas tropas russas, em uma tentativa de resgatar familiares encurralados no cerco russo, conseguiu salvar o filho, a ex-esposa e a ex-sogra. O adolescente, de 15 anos, tem paralisia cerebral e vivia em uma apartamento com as janelas quebradas e com uma família em constante medo de novos ataques e bombardeios.
Agora, Oleg e os familiares estão a 310 quilômetros da cidade, à salvo do cerco russo, na cidade de Dnipro. “É um desastre, um desastre completo”, afirmou o homem à Folha sobre Mariupol. Ele conta que o local está em ruínas, com prédios destruídos, cabos elétricos espalhados pelas ruas, estilhaços por todos os cantos, corpos e pedaços deles, além de cemitérios improvisados.
Antes mesmo de chegar à cidade, considerada estratégica para os russos, Oleg previu o clima tenso que rodeia o local. Ele dirigiu por quatro dias em um percurso que faria em quatro horas em tempos anteriores à invasão russa.
Obstáculos colocados nas estradas para atrasar aqueles que passam por ali foi um dos motivos da demora, além de minas terrestres foram espalhadas por russos e ucranianos para impedir que os inimigos avancem com tanques. No entanto, a tática prejudica o trânsito de civis, de ambulâncias e caminhões com ajuda humanitária.
Para não ser parado nos postos de entrada, Oleg comprou um carro popular e antigo, de 2004, para não “causar ambição” aos russos. De acordo com ele, os soldados têm tomado aquilo que eles desejarem após as revistas. “Eles pediam cigarros, carregadores de celular, tomaram meu cigarro eletrônico. Perguntavam: 'Você não se importa se pegarmos isso, não é?'. Claro que não, porque não tenho um rifle para poder me importar", afirma irônico.
Mesmo “dando presentes” aos russos, Oleg afirma que precisou mostrar mensagens e fotos do celular e se despir para que os russos checassem se ele tinha tatuagens com símbolos nazistas — marcas comuns entre os combatentes do chamado Batalhão Azov.
O homem afirma que as forças russas posicionadas ao redor de Mariupol se comportam como se o território tivesse sido conquistado definitivamente, e já emitem “leis”, como toques de recolher e regras de restrição para aqueles que ainda moram no local.
Do outro lado do cerco, em no máximo 500 metros dos russos, estão posicionados os soldados ucranianos. Oleg afirmou que eles sequer pediram o documento dele em um ponto de controle. Já os russos questionaram o ucraniano quantos soldados de Zelensky estavam em guarda do outro lado. Ele respondeu que “não tinha tido tempo de calcular”.
"As forças ucranianas estão raivosas. Não vão deixar Mariupol, vão combater até o último soldado", disse Oleg.
Família orava, mas estava preparada para morrer, diz ucraniano
Dentro da cidade, Oleg dirigiu por mais de uma hora até chegar no apartamento em que o filho morava com a mãe. “Quando cheguei perto de casa e vi que o prédio estava com os vidros quebrados e varandas danificadas, fiquei desesperado. Por sorte, minha família vivia num apartamento que teve só os vidros estilhaçados”, disse ele à Folha.
Concentrado no resgate, ele diz que não esmoreceu porque precisava se manter firme até a saída deles da cidade. Oleg foi até o apartamento e bateu na porta. "Peguei a todos de surpresa, eles não sabiam que eu estava indo. Bati na porta e eles perguntaram: 'Quem está aí?'. Ficaram em choque, eu os abracei e disse: 'Nós vamos embora agora'."
A ex-esposa de Oleg contou à ele que ela não tinha esperança de que o resgate chegaria um dia e que achava que o ucraniano estava morto. Eles passaram os dias no apartamento em oração à Deus para que ficassem vivos, mas já estavam preparados para morrer.
Os vizinhos da família contaram que chegaram a caçar pombos e cachorros abandonados para se alimentar, já que a cidade tem falta de abastecimento. Mesmo sem ter certeza da veracidade do relato, Oleg disse ter dado a eles toda a comida que levou para a viagem “para apoiá-los de alguma forma”.
Quando saiu da cidade, em mais uma revista e “pedidos” de utensílios feitos pelos russos, Oleg dirigiu a metade do caminho até Dnipro ainda firme. Ao chegar em Berdiansk, caiu aos prantos. A cidade também está cercada pelos russos, mas o abastecimento alimentício ainda funciona e os bombardeios não são frequentes.
Os quatro estão em um abrigo preparado por voluntários e ficarão lá até Oleg cumpri a nova empreitada dele: ele quer retornar à Mariupol e resgatar a cunhada e o sobrinho. Ele não os procurou dessa vez pois não caberiam no carro, mas quer enfrentar o cerco russo novamente mesmo sem saber se os familiares continuam vivos. "Talvez eles estejam se escondendo no porão, vou procurar”, conta.
Depois da nova busca, Oleg pretende levar todos para fora do país. “Minha irmã vive na Alemanha e vou enviá-los para lá”, contou. O homem, que trabalhava para uma agência dinamarquesa que apoia refugiados, diz que nunca pensou que poderia se tornar um refugiado. Ele diz que tem certeza que se a Rússia vencer o conflito ou se a Ucrânia aceitar uma rendição e entregar o controle da região leste do país, ele não voltará mais para o país.
Com o risco de nunca mais ver a cidade em que cresceu e viveu, Oleg aproveitou o resgate e foi até o apartamento da mãe, que faleceu no ano passado, e resgatou algumas fotos dela. Ele diz que se nada voltar como era antes, pelo menos a memória da raiz dele, ele terá.
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