Uma guerra costuma ser feita de dor e de sofrimento, mas também de atos de heroísmo. Yuri Gordienko, 48 anos, rejeita o título de herói. Graças a ele, 240 crianças ucranianas estão vivas e em segurança. "Eu me sentia responsável por elas. Apenas cumpri com o meu dever cívico", afirmou ao Correio o presidente da Academia Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, uma organização não-governamental baseada em Kharkiv (leste). Yuri retirou as crianças de seis orfanatos sob risco de bombardeio, em Kharkiv, e colocou-as dentro de carros e ônibus que atravessaram a Ucrânia. Foram 11 viagens de 1.400km cada, perfazendo o total de 30.800km (ida e volta).
"O roteiro incluiu as cidades de Poltava, Kropynytskyi e Vinnytsia, antes de chegarmos a Chernivtsi. Toda a viagem se baseou no toque de recolher, para que em cada localidade as crianças tivessem um lugar para descansar, comer e passar a noite", explicou Yuri. Foi uma missão de alto risco. "Estivemos sob fogo por duas vezes em Kharkiv. Felizmente, sem feridos", relatou o ativista. O resgate teve início nos primeiros dias de guerra. A mais recente viagem ocorreu na última sexta-feira. "Estou um pouco exausto, mas a responsabilidade pela vida dessas crianças me dá força. Assumi esta responsabilidade e continuarei a fazer isso", acrescentou Yuri.
A história dele se confunde com a dos pequenos ucranianos. Yuri nasceu em Sukhumi, na Geórgia. Em 1992, durante a Guerra na Abecásia, fugiu para Kharkiv. "Naquela época, aos 18 anos, tornei-me um imigrante e precisei da ajuda de estranhos. Pela segunda vez, a agressão da Rússia destruiu tudo em minha vida", disse. Em 28 de fevereiro, depois de ver o pai de um amigo e os dois cães serem queimados vivos, Yuri sofreu um ataque cardíaco. Pai de três crianças, sem notícias da família, fugiu do hospital e se refugiou na cidade de Chernivtsi, onde encontrou forças para resgatar os órfãos.
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Negociações
Pelo menos 143 crianças morreram na guerra, segundo Liudmyla Denisova, comissária de direitos humanos do Verkhovna Rada (Parlamento da Ucrânia). Hoje, negociadores russos e ucranianos retornam à mesa de negociações, em Istambul, para nova rodada de conversas presenciais. A "neutralidade" da Ucrânia e o status de Donbass (região controlada por separatistas pró-Rússia, no leste) podem ser abordados nas reuniões, ofuscadas por denúncias sobre suposto envenenamento do oligarca russo Roman Abramovic e de dois representantes ucranianos.
Depois de reunião em Kiev, no início do mês, o bilionário dono do clube de futebol inglês Chelsea e os negociadores apresentaram sintomas, como olhos vermelhos e lacrimejantes, além de descamação do rosto e das mãos. A informação foi divulgada pelo The Wall Street Journal. No entanto, a agência Reuters citou uma fonte da inteligência dos EUA que descartou exposição ao veneno e culpou "fatores ambientais". No domingo, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, admitiu que a questão da "neutralidade" da Ucrânia tem sido examinada de forma "cuidadosa".
Enquanto se preparava para nova tentativa diplomática, a Rússia intensificava os bombardeios em várias regiões da Ucrânia, e o Reino Unido acusava Moscou de enviar mil homens do Grupo Wagner ao Donbass. O exército de mercenários teria sido criado sob a fachada de uma empresa de segurança privada pelo oligarca russo Yevgeny Prigozhin. O Grupo Wagner é suspeito de tortura e de execuções sumárias na Síria, onde agiu em defesa do regime de Bashar Al-Assad.
Retomada
Forças ucranianas retomaram o controle da cidade de Irpin, subúrbio de Kiev. "As forças armadas estão avançando, e a polícia realiza varreduras completas nas ruas... A cidade foi libertada, mas ainda é perigoso estar ali", disse o ministro do Interior da Ucrânia, Denys Monastyrsky. Há dois dias fora de Irpin, onde mora, o técnico de vôlei Igor Pinchuk, 29, confirmou a reconquista da cidade. "Irpin transformou-se em uma grande ruína. O prefeito pediu para que retornemos para lá, porque 90% da infraestrutura foi destruída. A cidade está repleta de cadáveres de soldados russos, que representam um risco adicional para a saúde da população", relatou ao Correio. "Há granadas e minas intactas pelas ruas."
Sitiada desde o fim de fevereiro pelas tropas russas, Mariupol — cidade portuária do sudeste da Ucrânia — vive uma "catástrofe". Tetiana Lomakina, assessora de Zelensky, contou que 5 mil civis foram sepultados na localidade. "Há dez dias, ninguém é enterrado por causa dos bombardeios. Devido à quantidade de pessoas sob os escombros (...), poderia haver cerca de 10 mil mortos", comentou. Às margens do Mar de Azov, Mariupol é estratégica para Moscou conectar a Península da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, ao Donbass.
Em Kiev, a bombeira Svetlana Vodolaga, porta-voz do Serviço Civil da Ucrânia para Emergências, contou à reportagem que baterias antimísseis repeliram ataques russos, ontem, sobre a capital. "Estou escutando bombardeios. Muito provavelmente, são nossa defesa aérea derrubado os mísseis inimigos", disse. "O que temos enfrentado é uma agressão, uma guerra em larga escala. Isso é genocídio", desabafou ao Correio.
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Eu acho...
"O que estamos vivendo é um genocídio, é a destruição do povo ucraniano. Muitos civis morreram nessa guerra com a Rússia. Muitas mulheres e crianças perderam suas vidas. Cidades estão sendo devastadas."
Yuri Gordienko, presidente da Academia Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, uma organização não-governamental baseada em Kharkiv (leste)
Biden descarta se retratar sobre Putin
O presidente dos EUA, Joe Biden, recusou-se a se retratar após dizer que o seu homólogo russo, Vladimir Putin, "não deve permanecer no poder". O americano afirma que expressou "uma indignação pessoal" e não "uma política" de favor da mudança de regime. "Não me retrato por nada. Quero deixar claro que não estava nem no momento, nem agora, articulando uma mudança de política. Eu estava expressando a indignação moral que sinto", disse.
US$ 564 bilhões
Perdas econômicas decorrentes do "impacto direto das destruições" desde o início da invasão russa à Ucrânia.
Jornal de Nobel da Paz suspende publicação
O jornal independente russo Novaya Gazeta suspendeu as publicações on-line e impressa até que termine a guerra na Ucrânia. Em nota publicada em seu site, o jornal — cujo editor-chefe, Dmitri Muratov (foto), recebeu em 2021 o prêmio Nobel da Paz — afirmou que tomou a decisão depois de ter recebido uma segunda advertência do regulador russo das telecomunicações por ter violado uma lei sobre "agentes estrangeiros". Ele revelou que sua redação trabalha há 34 dias "sob censura militar". Ontem, o Correio tentou entrevistar Muratov. "Situação muito difícil. Não é hora de falar. Talvez em breve, talvez não", respondeu a assessora de imprensa do Novaya Gazeta.
"Não existirá futuro em Mariupol", diz Kateryna Chulska
"Fugi de Mariupol há 11 dias.A situação lá é totalmente horrível. Desde 2 de março, não existe água, eletricidade ou comunicação. É impossível comprar medicamentos ou alimentos. Mariupol está sob bombardeio constante. Enquanto estive na cidade, procurei ficar o tempo todo em casa, em um cômodo sem janelas. Tivemos que cozinhar do lado de fora, usando lenha.
Os ataques aéreos eram muito intensos e havia o risco de nossa casa ser atingida. Escutamos os aviões bombardearem a cidade. Muitos moradores morreram. Eu vi corpos e prédios totalmente carbonizados. Praticamente todos os prédios e casas foram destruídos. As 160 mil pessoas que ficaram lá tentam sobreviver, escondidas em abrigos. A reconstrução da cidade demorará alguns anos. Estou em um vilarejo. Não sei o que fazer."