O fantasma das armas químicas, nucleares táticas e biológicas assombra a Europa. Durante cúpula extraordinária em Bruxelas, o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Jens Stoltenberg, afirmou que os países-membros da aliança militar ocidental decidiram impôr custos sem precedentes à Rússia, reforçar a dissuasão a longo prazo e ativar as defesas contra ataques não convencionais. "Forneceremos equipamentos para ajudar a Ucrânia a se proteger contra ameaças químicas, biológicas, radiológicas e nucleares. Isso inclui suprimentos médicos, de detecção e de proteção, assim como o treinamento para descontaminação."
Por sua vez, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, prometeu que a Otan "responderá" se o líder russo, Vladimir Putin, utilizar armas químicas no front. "Responderemos, se as utilizar. A natureza da resposta dependerá da natureza do uso", advertiu, ao assegurar que a Otan está "mais unida do que nunca". Segundo o democrata, os EUA doarão US$ 1 bilhão a mais em ajuda humanitária a Kiev e aceitarão receber até 100 mil refugiados ucranianos. Biden defendeu a expulsão da Rússia do G20 — as 19 maiores economias, mais a União Europeia —, mas reconheceu que a decisão deve ser tomada em consonância com outros países do grupo. Hoje, ele visitará a cidade de Rzeszow, na Polônia, a 80km da fronteira com a Ucrânia, e conversará com soldados americanos.
Como previsto, a Otan acordou reforçar o flanco do Leste Europeu e enviar à Ucrânia mísseis antitanque, sistemas de defesa aérea e drones. Também não se descarta a remessa de mísseis antinavio. Por videoconferência, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, fez um apelo dramático à aliança ocidental. "Vocês têm pelo menos 20 mil tanques. A Ucrânia pediu 1% de seus tanques. Vocês podem nos dar 1% de seus aviões, 1%! Vocês têm milhares de caças, mas não nos deram nenhum até agora", disse. "Para salvar as pessoas e as nossas cidades, a Ucrânia necessita de uma ajuda militar sem restrições."
Mais cedo, em discurso durante encontro paralelo do G7 (EUA, Alemanha, Japão, Reino Unido, França, Itália e Canadá), Zelensky denunciou o uso de bombas de fósforo branco por parte da Rússia e alertou sobre o risco de uma ofensiva química. "A ameaça de uso em grande escala de armas químicas é real", declarou. Segundo ele, Putin poderia lançar mão desses artefatos, ante as dificuldades de progressão no front.
Membro do conselho municipal de Rubezhansky, Dmitry Konov confirmou ao Correio que munições de fósforo branco foram usadas contra a cidade da região de Luhansk, no leste da Ucrânia, entre 3h e 4h de ontem (hora local). "Houve bombardeios com esse tipo de armamento aqui e em Popasna, a 62km. O número de mortos e feridos está sendo determinado. As munições de fósforo branco são proibidas pela Convenção de Genebra, de 1949", relatou. Segundo ele, mais de 60% da área de Rubezhansky está sob ocupação das forças russas. "É uma catástrofe humanitária. Eles bombardearam empresas, escolas e maternidades. Não há como sairmos para recolher os corpos nas ruas."
Na cúpula do G7, os países se comprometeram a "acabar com a capacidade russa de financiar (...) a guerra de Putin". Nesse contexto, os EUA anunciaram pesadas sanções contra políticos, oligarcas e empresas russas. Em nota, a Casa Branca explicou que as sanções são "o bloqueio total contra mais de 400 pessoas e entidades, entre elas a Duma (Parlamento russo), elites e empresas de defesa russa que alimentam a máquina de guerra de Putin".
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Especialistas
Expert em controle de armas da Universidade de Hamburgo (Alemanha), Ulrich Kühn disse ao Correio que a ameaça de armamentos nucleares usados pela Rússia é bastante baixa. "Não se trata de um risco zero. O perigo pode aumentar, à medida que Putin ficar encurralado e quanto mais seu exército fracassar na Ucrânia", advertiu. "Há certa chance de que Moscou possa usar armas nucleares táticas. A probabilidade maior é de que a Rússia utilize arsenal químico, como na Síria, talvez em uma operação de bandeira falsa", acrescentou, em referência a um ato cometido com o objetivo de disfarçar a verdadeira responsabilidade.
Pesquisador do Royal United Services Institute (em Londres), Dan Kaszeta afirmou que a Rússia, sob supervisão, desmantelou o programa de armas químicas da era soviética. "Moscou fez isso a enorme custo. Creio que os russos não tenham reconstituído um programa de produção militar, pois o esforço industrial teria sido notado. Provavelmente, está dentro de suas capacidades montar um pequeno incidente, como provocação", admitiu ele, que acumula três décadas de experiência em defesa contra guerra química.
Ontem, cidades ucranianas seguiam sob ataque. Enquanto Glib Mazepa — pós-doutorando em biologia e morador de Karkhiv — falava ao Correio, era possível escutar o barulho das sirenes antiáereas. "Elas soam dezenas de vezes, 24 horas por dia. Oficialmente, 300 pessoas morreram em minha cidade. Precisamos que o mundo feche o espaço aéreo e imponha sanções reais, a fim de tornar esse genocídio insustentável para Putin. Nós lidaremos com o resto", disse ele.
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Vozes da Ucrânia
Evheniia Dinakovska, 21 anos, moradora de Mikolaiv (sul)
"O primeiro mês de guerra foi uma avalanche de emoções. Ninguém sabia o que ocorreria no dia seguinte. Quero agradecer ao mundo pelo apoio, pelas centenas de flash mobs (protestos) e pela imensa quantidade de doações para crianças e cidadãos da Ucrânia. Esperamos que isso não aconteça novamente no futuro. Glória à Ucrânia!"
Olexandra Matviychuk, 38 anos, ativista de direitos humanos, moradora de Kiev
"Putin acreditava que, em três dias, as tropas estariam em Kiev. Elas fracassaram. Não esperavam enfrentar toda a nação ucraniana. Precisamos, com urgência, de caças e de sistemas de defesa, além de medidas para congelar a economia da Rússia."
Glib Mazepa, 35 anos, pós-doutorando em biologia evolucionária, morador de Kharkiv (leste)
"O que estamos vivendo não é uma guerra. Trata-se de um genocídio, com alguns elementos de guerra. Nós precisamos que o nosso espaço aéreo seja fechado. Todo o resto pode ser deixado por conta de nós, ucranianos."
Mykola Volkivskyi, 27 anos, cientista político, morador de Kiev
"Este primeiro mês de guerra provou a determinação dos ucranianos ante a agressão aberta da Rússia. Nos últimos oito anos, o mundo fechou os olhos para as ações de Moscou e a desestabilização da Ucrânia. A guerra terminará com consequências terríveis para os dois lados."
Emil Heleta, 19 anos, estudante, morador de Odessa (sudeste)
"A esperança ainda está viva. É difícil dizer o que a Rússia fará, nem está claro o que esperar do Ocidente. Uma coisa é certa: independentemente dos resultados, se a Ucrânia continuar a depender somente de si mesma, nossos 'aliados' serão uma grande vergonha."
Igor Pinchuk, 29 anos, treinador de vôlei, morador de Irpin (subúrbio de Kiev)
"É um genocídio de civis. As tropas russas matam crianças e mulheres por diversão, roubam suas casas e lojas, disparam dentro de corredores humanitários. Elas assassinaram centenas de civis. Nós fomos forçados a enterrar nossos moradores nos quintais e nos parques da cidade."
"Prioridade são os corredores humanitários", diz diplomata
O encarregado de negócios da Embaixada da Ucrânia em Brasília, Anatoliy Tkach, afirmou que as tropas russas não atingiram seus objetivos e se reagrupam para dar início a novo ataque. Segundo ele, a prioridade continua a ser a abertura de corredores humanitários. A declaração foi feita no dia em que se completou um mês da invasão liderada por Vladimir Putin.
De acordo com Tkach, a Rússia perdeu mais de 15.800 soldados, entre mortos e feridos; e cerca de mil tornaram-se prisioneiros. Para evitar a divulgação do número, Moscou estaria fazendo uso de censura, de valas comuns e de crematórios móveis, conforme alega o encarregado. "Uma pena de 15 anos foi estabelecida para aqueles que divulgarem informações verdadeiras sobre a guerra. A Rússia não está tentando retirar os soldados presos. Em vez disso, os familiares recebem as informações de que eles foram mortos ou desaparecidos", completou.
Para o encarregado de negócios, as alegações de desmilitarização da Ucrânia são "absurdas". Ele acusa a Rússia de tentar destruir a economia do país. "Dos 1.200 mísseis lançados sobre a Ucrânia, quase 500 foram contra as cidades pacíficas do país. O número de mortes de civis está ultrapassando as perdas militares."
Tkach reforçou que a prioridade das autoridades é a criação e a manutenção de corredores humanitários, os quais já permitiram a saída de milhares de civis da zona de conflito. "Podemos ver que essa guerra se converte numa batalha contra as mulheres, crianças e idosos. Diante dos problemas com logística, o governo russo autorizou as Forças Armadas da Rússia de mudar para a autossuficiência. Os soldados russos estão autorizados a roubar, eles estão roubando de civis, estão roubando os comboios humanitários", afirmou.