A alegria pela retomada do ano letivo durou pouco. Sete meses após os talibãs assumirem o poder, adolescentes afegãs retornaram, ontem, aos colégios do ensino médio, mas, em poucas horas, tiveram de deixar as salas de aulas e retornar para casa, por determinação do governo islamita. A repentina mudança nessa diretriz política arrancou forte reação da comunidade internacional.
"A promessa de um retorno à escola para milhões de mulheres alunas de ensino médio foi quebrada no Afeganistão. É um retrocesso enorme. O acesso à educação é um direito fundamental", reagiu, no Twitter, a diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay. "A Unesco reitera seu apelo: as mulheres devem ser autorizadas a voltar à escola sem prazos adicionais", acrescentou.
Os Estados Unidos também condenaram a medida. "Nós nos juntamos a milhões de famílias afegãs hoje para expressar a nossa profunda decepção e condenação com a decisão do Talibã de não permitir que mulheres e meninas voltem à escola após a sexta série", disse o porta-voz do Departamento de Estado americano, Ned Price.
O ministério afegão da Educação não deu qualquer explicação precisa para a decisão. Na capital, Cabul, as autoridades haviam, inclusive, organizado uma cerimônia para marcar o início do ano letivo.
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"Restrições culturais"
"No Afeganistão, especialmente nas aldeias, as mentalidades não estão prontas", disse o porta-voz do ministério, Aziz Ahmad Rayan. "Temos algumas restrições culturais, mas os principais porta-vozes do Emirado Islâmico vão oferecer melhores esclarecimentos", limitou-se a informar.
De acordo com uma fonte talibã entrevistada pela agência France-Presse, a medida teria ocorrido após uma reunião de altos dirigentes, realizada na noite de terça-feira, em Kandahar (sul), berço do movimento fundamentalista islâmico que, de fato, governa o país.
No colégio Zarghona de Cabul, um dos maiores centros de ensino da capital afegã, um clima de comoção invadiu as salas de aula quando professores ordenaram que as alunas retornassem para casa. Abatidas, as estudantes reuniram seu material, entre lágrimas, e deixaram o local.
"Vejo minhas estudantes chorando e relutantes em deixar a aula", afirmou Palwasha, professora na escola para mulheres Omra Khan, na capital. "É muito doloroso ver as suas estudantes chorando", enfatizou.
Por meio de um comunicado, a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, ressaltou que "compartilha a profunda frustração e decepção das estudantes afegãs". Bachelet considerou a "incapacidade das autoridades de respeitar seu compromisso" como algo "profundamente prejudicial" ao Afeganistão.
Por sua vez, a ativista paquistanesa Malala Yousafzai, prêmio Nobel da Paz e ativista de longa data pela educação das mulheres, considerou que o Talibã "continuará a encontrar desculpas para impedir que as meninas aprendam porque tem medo de meninas educadas e mulheres autogovernadas". Aos 15 anos, Malala sofreu uma tentativa de assassinato do Talibã paquistanês em um ônibus escolar.
Quando os talibãs tomaram o poder, em agosto de 2021, as escolas estavam fechadas devido à pandemia de covid-19. Dois meses depois, apenas os homens e as mulheres do ensino básico foram autorizados a retornar às aulas dois meses depois. O acesso das mulheres às escolas é considerado pela comunidade internacional um ponto fundamental nas negociações de ajuda e reconhecimento do regime islamita. No primeiro governo, 1996 a 2001, a educação para as garotas foi proibida.
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