Guerra no leste europeu

Rússia já perdeu o mesmo número de militares que os EUA no Iraque e Afeganistão

Em 23 dias de confronto na Ucrânia, o número de soldados russos mortos é o mesmo dos estadunidenses em duas décadas de confronto

Rodrigo Craveiro
postado em 18/03/2022 06:00
 (crédito: Sergey Bobok/AFP)
(crédito: Sergey Bobok/AFP)

Vladimir Putin esperava uma rápida tomada de Kiev, com o menor número possível de baixas militares. A "operação especial" que o Kremlin insiste em não qualificar como guerra já dura 23 dias, e as forças de Moscou não conseguem avanços significativos no campo de batalha. Sob pressão das sanções financeiras impostas pelo Ocidente, o presidente da Rússia decidiu mobilizar soldados estacionados no território da Ossétia, a caminho da Ucrânia. O líder checheno, Ramzan Kadyrov, enviou mais mil mercenários para lutarem ao lado das tropas russas.

De acordo com fontes do Pentágono consultadas pelo jornal The New York Times, 7 mil militares russos morreram — média de 300 por dia. Entre os mortos, há quatro generais: Andrey Sukhovetsky, Andrey Kolesnikov, Oleg Mityaev e Vitalii Gerasimov

"Em pouco mais de 20 dias, a Rússia teve o mesmo número de baixas dos Estados Unidos em duas décadas de guerras no Iraque e no Afeganistão. É um número assustador para o Kremlin", admitiu ao Correio o ucraniano Peter Zalmayev, diretor da Eurasia Democracy Initiative, uma organização não governamental voltada à promoção da democracia e dos direitos humanos no Leste da Europa e no Cáucaso. "Isso explicaria o motivo pelo qual a Rússia não deseja repatriar os seus soldados mortos. Os corpos são abandonados nas estradas e nos campos ou mesmo incinerados." O Kremlin reconhece apenas 500 baixas. 

Zalmayev acredita que a estatística divulgada pelo NY Times é subestimada. "As autoridades ucranianas avaliam as baixas russas em 13,5 mil. Moscou não tem conseguido avanços estratégicos no front e se limita a manobras táticas. É uma espécie de protelação", comentou o especialista. De acordo com ele, tal fato justificaria o motivo pelo qual Putin procura "aterrorizar os civis". "Ele busca aumentar os custos humanos e o sofrimento dos ucranianos, a fim de forçar os governos de Kiev e ocidentais a implorarem por negociações viáveis."

O especialista adverte que o cenário é desfavorável para os invasores. "Os ucranianos conhecem o território, têm acesso a suprimentos e gozam de 100% de apoio da população, além de manterem o moral em alta." A perspectiva não parece promissora para o Kremlin. Zalmayev disse que Putin tem convocado soldados jovens, sem experiência de combate. Ante a falta de opções para reverter o cenário bélico, o Kremlin apela por ajuda econômica da China. 

Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla (Ucrânia), concorda com Zalmayev e admite que as dificuldades no campo de batalha têm levado a Rússia a tentar intimidar o presidente Volodymyr Zelensky, por meio da matança de civis. Ele aponta três erros cometidos por Putin antes da invasão à Ucrânia. "O Kremlin subestimou o povo e o Exército de meu país; tratou as nossas forças armadas como corruptas e ineficientes; e minimizou a possibilidade de sanções financeiras do Ocidente. Esses enganos levarão ao colapso geopolítico da Rússia", disse ao Correio. 

Os ataques indiscriminados a civis mereceram forte condenação dos Estados Unidos e da União Europeia (UE). Na quarta-feira, o presidente dos EUA, Joe Biden, chamou Putin de "criminoso de guerra". Ontem, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, reforçou as acusações do titular da Casa Branca. "Apontar intencionalmente contra civis é um crime de guerra. Depois de toda a destruição das últimas semanas, é difícil para mim concluir que os russos estão fazendo o contrário", declarou.  

A UE condenou as "graves violações do direito humanitário" e os "crimes de guerra" cometidos pela Rússia na Ucrânia, e afirmou que os dirigentes russos terão que prestar contas por esses atos. 

Negociações

Na terça-feira, a notícia sobre um rascunho de plano de paz de 15 pontos sinalizou esperança rumo a um cessar-fogo. Entre os itens do texto, estariam a neutralidade do território da Ucrânia, a desistência de adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a redução do Exército. O status de neutralidade seguiria os modelos adotados pela Áustria e pela Suécia. Viena incorporou a condição por imposição dos soviéticos, em 1955. 

Para Artem Oliinyk, da Academia de Ciência Política da Ucrânia (em Kiev), a repetição do plano austríaco não se adequaria ao território ucraniano. "O problema é que houve restrições sobre armamentos de alguns países; a Áustria foi incapaz de usar armas alemãs. Os austríacos também não receberam fundos para a reconstrução da nação", disse à reportagem. Ontem, prosseguiam as negociações em caráter virtual, sem grandes avanços. 

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  • Homem chora diante do corpo da mãe, após bombardeio em Kiev
    Homem chora diante do corpo da mãe, após bombardeio em Kiev Foto: Fadel Senna/AFP
  •  Igor, a 40 year-old Ukranian soldier embraces his wife in front of his military basement in the center of Odessa on March 17, 2022. Odessa, which Ukraine fears could be the next target of Russias
      Caption
    Igor, a 40 year-old Ukranian soldier embraces his wife in front of his military basement in the center of Odessa on March 17, 2022. Odessa, which Ukraine fears could be the next target of Russias Caption Foto: BULENT KILIC

Eu acho...

 (crédito: Arquivo pessoal )
crédito: Arquivo pessoal

"O moral das tropas russas é muito baixo. Há relatos críveis de deserções nas fileiras de Moscou: alguns soldados simplesmente largaram suas armas e correram para a mata. A Rússia invadiu a Ucrânia completamente despreparada para o tipo de armamentos que encontraria nas mãos do inimigo, como drones turcos e mísseis antitanque FGM-128 Javelin, de produção norte-americana. Os russos perderam pelo menos 500 tanques, mais de 100 aviões e um número desconhecido de veículos militares."

Peter Zalmayev, diretor da Eurasia Democracy Initiative (em Kiev)

 

Sem votação na ONU

Cada vez mais isolada, a Rússia desistiu de colocar uma resolução humanitária sobre a Ucrânia em votação no Conselho de Segurança da ONU, ao saber que carece do apoio dos aliados mais próximos, segundo vários diplomatas que pediram anonimato à agência France-Presse.  "Recorreram ao copatrocínio" para seu texto sobre o aspecto humanitário "e não houve retorno", disse um embaixador que pediu para não ter a identidade revelada, insinuando que nem a China nem a Índia apoiam a polêmica iniciativa russa e não votariam a favor. Moscou esperava contar com o apoio da China e da Índia, dois países que se abstiveram em 25 de fevereiro na votação da resolução apresentada pelos Estados Unidos e pela Albânia para denunciar a "agressão" da Ucrânia, vetada pela Rússia.

Depoimento

 (crédito: Arquivo pessoal )
crédito: Arquivo pessoal

Taras Trofimchuk

"Nós temos sirenes antiaéreas durante o dia e nos escondemos em abrigos. À noite, as sirenes soam por até quatro horas. É realmente assustador, pois precisamos acordar nossos filhos e correr para o porão, frio e úmido. Em minha cidade, todos os homens trabalham em postos de controle, enquanto as mulheres preparam refeições para os soldados. Somos pela paz e esta é a única coisa que queremos. Mas entendemos que não podemos concordar com os russos. Eles matam nossas crianças. Em Chernihiv, fuzilaram pessoas na fila do pão. Também dispararam contra carros em fuga e lançaram bombas sobre uma maternidade. Nós rezamos e esperamos que a Otan imponha uma zona de exclusão aérea. 

Apoiamos totalmente o nosso governo e acreditamos na vitória. Nós estamos em nossa pátria, não faremos parte da Rússia. Não temos o direito de recuar e de nos render. Tantas pessoas morreram por nossa liberdade. Todos os nossos heróis, que bravamente nos defendem e morrem..."

Empresário, 38 anos, morador de Lutsk (noroeste)

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