Desde que um teatro foi bombardeado na cidade de Mariupol na quarta-feira (16/03), civis têm sido resgatados com vida dos escombros.
Apesar das imagens de devastação em grande escala, acredita-se que muitos dos que estavam escondidos no abrigo antibombas no porão do edifício tenham sobrevivido.
Por 10 dias, o porão do teatro serviu como refúgio para Kate, nativa de Mariupol de 38 anos, e seu filho, de 17. Sua própria casa, como muitas outras na cidade sitiada, foi destruída por ataques russos, e eles acreditavam que o Teatro Regional de Drama de Donetsk seria um lugar onde estariam relativamente seguros.
Mãe e filho ficaram espremidos nos quartos escuros e corredores do prédio com dezenas de outras famílias. Algumas mulheres, disse Kate, carregavam bebês com apenas quatro ou cinco meses de idade.
"No começo, foi muito difícil, porque não tínhamos um suprimento de comida bem organizado. Então, nos dois primeiros dias, os adultos não tinham comida", relata Kate, que trabalhava na loja do zoológico de Mariupol e preferiu não divulgar seu nome completo. "Nós demos comida apenas para as crianças."
Os dois dormiam em camas improvisadas feitas no chão com o estofado dos assentos do auditório. A madeira das cadeiras, segundo ela, foi cortada em pedaços e usada como lenha para cozinhar.
"Ao redor do teatro não havia árvores suficientes que pudéssemos usar, e era muito perigoso sair do lado de fora".
Por quase três semanas, Mariupol esteve sob constante bombardeio das forças russas, que cercaram completamente a cidade. Cerca de 300.000 pessoas estão presas, sem eletricidade, gás ou água encanada. Alimentos e remédios estão acabando, pois a Rússia impediu a entrega de ajuda humanitária.
Quatro dias depois que Kate chegou ao teatro, as forças ucranianas conseguiram enviar alguns suprimentos de comida e cozinha para o teatro, e "começamos a cozinhar alguma coisa", conta ela. Eles tomavam sopa e, às vezes, mingau de aveia no almoço e chá com biscoitos no jantar.
O imponente edifício da era soviética no centro da cidade de Mariupol, próximo à orla do Mar de Azov, foi designado como abrigo para civis. Sergei Orlov, vice-prefeito da cidade, disse que até 1.200 pessoas passaram por lá. Já a organização Human Rights Watch estimou o total entre 500 e 800 pessoas, citando entrevistas feitas com as pessoas evacuadas.
Mas à medida que os ataques implacáveis da Rússia continuaram, Kate disse que os prédios ao redor do teatro foram sendo danificados ou destruídos. "Sabíamos que tínhamos que fugir porque algo terrível aconteceria em breve", disse ela.
Um dia antes do ataque, Kate e seu filho deixaram o local. "Entramos em um carro enquanto o teatro e a área estavam sendo bombardeados", disse ela. Eles dividiram o veículo com uma família de quatro pessoas, que levavam ainda quatro cães e um gato com eles.
"Pedimos para ir com eles, porque não tínhamos nosso próprio [carro]", disse ela. Eles faziam parte do comboio de cerca de 2.000 carros que escaparam de Mariupol na terça-feira (15/03).
O conselho da cidade de Mariupol afirmou que um avião russo lançou uma bomba contra o teatro e classificou o ataque como "deliberado e cínico". A Rússia negou ter alvejado o local, mas, apenas em Mariupol, seus ataques já atingiram vários prédios civis, incluindo um hospital, uma igreja e inúmeros blocos de apartamentos.
Alerta desesperado
Imagens de satélite divulgadas pela empresa americana Maxar, tiradas na segunda-feira, mostraram que a palavra russa para "crianças" havia sido marcada no chão em letras grandes em dois locais fora do prédio, para alertar os jatos russos.
Vídeos filmados após o bombardeio mostram fumaça saindo da fachada desmoronada do prédio. Mas com a comunicação com a cidade quase completamente cortada, o número de sobreviventes ou possíveis vítimas ainda não estava claro, mesmo quase 20 horas depois.
Dmytro Gurin, membro do parlamento ucraniano nativo de Mariupol, disse que o abrigo no porão do prédio resistiu ao ataque e que as equipes estavam tentando limpar os escombros que cobriam a entrada do local. "Parece que a maioria deles sobreviveu e está bem", disse ele.
Mas segundo ele os esforços de resgate foram complicados, já que a Rússia continuou a atacar a área. "Os bombardeios nunca param e a artilharia nunca para e os aviões estão lançando bombas", disse ele, "por isso é muito difícil".
O conselho da cidade estima que cerca de 80% a 90% dos edifícios da cidade tenham sido danificados ou destruídos pela Rússia, que atacou a cidade quase sem parar desde que invadiu a Ucrânia, há três semanas. Bairros inteiros foram transformados em terrenos baldios.
Autoridades locais dizem que pelo menos 2.400 pessoas foram mortas em Mariupol, embora reconheçam que esse número provavelmente é subestimado. Muitos dos mortos estão sendo enterrados em valas comuns.
Depois de deixar Mariupol, Kate foi para a cidade de Lviv, no oeste da Ucrânia, região que tem sido amplamente poupada dos ataques. "No primeiro dia depois que conseguimos sair, eu não conseguia falar. Todos nós só choramos", disse ela. "Mas agora parece que não há mais lágrimas. Acho que essa dor nunca vai desaparecer."
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