Guerra no leste europeu

Ataque a hospital pediátrico ofusca tentativa de diplomacia entre Rússia e Ucrânia

Ucrânia acusa a Rússia de alvejar hospital pediátrico em Mariupol, no sudeste do país. Bombardeio provoca a fúria da comunidade internacional e ocorre na véspera do primeiro encontro de alto nível entre os dois países, na Turquia

Rodrigo Craveiro
postado em 10/03/2022 05:55 / atualizado em 15/03/2022 16:17
 (crédito: AFP)
(crédito: AFP)

A poucas horas do primeiro encontro de alto nível entre autoridades de Kiev e de Moscou, a Ucrânia acusou a Rússia de bombardear o Complexo Médico Territorial para a Saúde de Crianças e de Mulheres, um hospital pediátrico e maternidade situado em Mariupol (sudeste). "Ataque direto das tropas russas a uma maternidade. Pessoas, crianças estão sob os escombros. Atrocidade! Por quanto tempo o mundo será cúmplice, ao ignorar o terror? Fechem os céus agora! Parem com os assassinatos! Vocês têm o poder, mas parecem perder a humanidade", escreveu o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que chamou o incidente de "crime de guerra" e de "prova de genocídio". A comunidade internacional condenou, de forma unânime, o bombardeio atribuído a Moscou. Até o fechamento desta edição, Pavlo Kirilenko, líder da região sul de Donetsk, confirmou 17 adultos feridos, incluindo funcionários do hospital de Mariupol.

A porta-voz do Ministério russo das Relações Exteriores, Maria Zakharova, não negou o ataque, mas admitiu que "batalhões nacionalistas" ucranianos tinham montado no local posições de tiro e retirado pacientes e funcionários. Zakharova também anunciou progressos em mais um diálogo entre negociadores das duas partes e sinalizou com uma moderação do Kremlin. "Os objetivos da Rússia não incluem a ocupação da Ucrânia, a destruição de seu Estado ou a derrubada do governo atual", assegurou. As declarações da representante da chancelaria de Moscou foram recebidas  com ceticismo. Hoje, os ministros das Relações Exteriores Serguei Lavrov (Rússia) e Dmytro Kuleba (Ucrânia) se reunirão em Antália, um balneário do Mar Mediterrâneo, no sul da Turquia. O homólogo turco Mevlut Cavusoglu será o mediador do diálogo. O presidente russo, Vladimir Putin, e o chanceler alemão, Olaf Scholz, conversaram por telefone sobre "opções para esforços políticos e diplomáticos".

Apesar de Zakharova afirmar que a "operação especial" não tem como alvo os moradores, a prefeitura de Mariupol anunciou que, desde o início do cerco à localidade, em 1º de março, 1.207 civis morreram  somente na cidade. "Nove dias de genocídio da população civil", denunciou a nota. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha classificou a situação em Mariupol como "apocalíptica". O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, chamou o ataque de "imoral". Por sua vez, a ONU pediu "o fim imediato dos ataques a instalações de saúde, hospitais, profissionais de saúde e ambulâncias". O Vaticano, por meio do secretário de Estado e cardeal Pietro Parolin, disse que o bombardeio a um hospital é "inaceitável". "Não há razões, não há motivações para fazer isso."

Fuga

Vira Protskykh, ex-gerente de comunicação em projetos sociais e atualmente desempregada, abandonou Mariupol e fugiu para Rivne, próximo à fronteira com Belarus. Deixou pais e amigos na cidade portuária. "Conversei com minha mãe, pela última vez, em 2 de março. Ela contou que minha escola e vários jardins foram bombardeados. Meu pai trabalha como motorista de ambulância e viu feridos e mortos. No início da guerra, uma granada caiu a 100m dele", relatou ao Correio. Uma amiga dela disse que precisou dormir, com a mãe, no corredor de casa, ante os bombardeios incessantes. "Elas viram cadáveres abandonados nas ruas. As pessoas têm cozinhado alimentos em churrasqueiras diante de suas casas, pois não têm mais gás, água e eletricidade." 

Em 24 de fevereiro, Yuliya Sarbash, 39 anos, também escapou de Mariupol com a família e se instalou em Berehove (oeste), na fronteira com a Hungria. "Os russos bombardearam, hoje (ontem), o hospital e uma área residencial da minha cidade natal. As pessoas de lá me contaram que houve vários ataques aéreos nesta quarta-feira. Vi várias fotos de gestantes feridas sendo carregadas para fora do prédio destruído", afirmou, por telefone, a proprietária de uma agência de relacionamentos. "Mariupol está bloqueada, isolada. As pessoas estão sem eletricidade, sem aquecimento e sem água. As lojas não têm mais produtos alimentícios. Os bombardeios se tornaram muito intensos nesta semana", acrescentou. 

Ceticismo 

Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla (Ucrânia), desqualificou a suposta moderação na retórica do Kremlin. "Se Putin não deseja ocupar a Ucrânia e depor Zelensky, não teria motivos para atacar o país. É uma questão muito simples.Não devemos acreditar em uma palavra sequer dos russos. Antes da invasão, o próprio Putin disse que não atacaria o meu país. Os russos falaram em uma operação especial na região de Donbass. Eles estão bombardeando toda a Ucrânia", afirmou ao Correio, por telefone. "Eles disseram que não matariam civis, estão praticando assassinatos. Eles disseram que não haveria reservistas entre os invasores. Na quarta-feira (9/3), uma declaração do comando do Exército russo afirmou que alguns reservistas entraram na Ucrânia e foram capturados." Haran aposta que os russos preparam uma incursão em Kiev. "Precisamos ficar fortes e juntos, e os Estados Unidos e a Europa devem impor mais sanções a Moscou", pediu. 

Também no campo diplomático, um dia depois de os Estados Unidos cortarem a importação do petróleo russo, o Reino Unido instou o G-7 — grupo dos sete países mais industrializados do mundo — a "pôr fim ao uso de petróleo e gás russos". "Putin deve fracassar", declarou a ministra britânica das Relações Exteriores, Liz Truss, durante visita aos Estados Unidos. "Em nossa resposta" à invasão russa da Ucrânia, "devemos redobrar nossas sanções." Ela não descartou a "desconexão" dos bancos russos do Swift, sistema internacional que permite a padronização de informações financeiras e transferências de recursos entre bancos ao redor do mundo. 

balanço
balanço (foto: Editoria de Arte do Correio)

 

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EU ACHO...

 (crédito: Arquivo pessoal)
crédito: Arquivo pessoal

"A situação em Mariupol é terrível, pois as pessoas precisam ficar escondidas em abrigos subterrâneos durante vários dias. Hoje (ontem), civis utilizaram neve para transformá-la em água, a fim de preparar alimentos e para o consumo. Soldados têm distribuído água a algumas partes da cidade. Enfrentamos o frio, e a ausência de aquecimento tem sido especialmente difícil. As pessoas estão em pânico. É uma grande catástrofe."

 Yuliya Sarbash, 39 anos, natural de Mariupol, hoje refugiada em Berehove (oeste)

 

EUA rejeitam transferir caças à Ucrânia

 (crédito: Saul Loeb/AFP)
crédito: Saul Loeb/AFP

Os Estados Unidos rejeitaram definitivamente a proposta da Polônia de entregar caças MiG-29 aos militares americanos para que fossem repassados à Ucrânia, anunciou o Pentágono. Os serviços de inteligência acreditam que a transferência das aeronaves para a Ucrânia "poderia levar a uma reação russa significativa que aumentaria a perspectiva de uma escalada militar com a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte)", declarou o porta-voz do Pentágono, John Kirby, em entrevista coletiva.

A questão da transferência dos aviões, que deixou o governo ucraniano ansioso por uma resolução para tentar conter a agressão russa pelo ar, provou ser um revés notável na união entre os Estados Unidos e seus aliados europeus em relação à invasão de Moscou. O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, conversou com o ministro da Defesa polonês, Mariusz Blaszczak, e agradeceu a disposição de Varsóvia em cooperar nos esforços para apoiar a Ucrânia, segundo Kirby. "Mas ele ressaltou que não apoiamos a transferência de aeronaves de combate para a Força Aérea Ucraniana neste momento, então, também não desejamos vê-los sob nossa custódia", disse Kirby.

Varsóvia expressou apoio a um plano no qual a Polônia enviaria seus MiG-29 da era soviética para Kiev através de uma base aérea americana na Alemanha. No passo seguinte sugerido, os EUA complementariam a frota polonesa com caças F-16. "Isso é algo que não vamos explorar neste momento", afirmou Kirby, acrescentando que adicionar aeronaves à frota de combate da Ucrânia "não mudaria significativamente a eficácia" da Força Aérea Ucraniana contra a capacidade russa. "Portanto, consideramos baixo o ganho de transferir esses MiG-29."

A vice-presidente norte-americana, Kamala Harris, desembarcou ontem em Varsóvia para discutir com autoridades polonesas como fornecer "assistência militar" à Ucrânia, segundo um representante da Casa Branca.

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