Guerra

Acnur precisa de mais de US$ 1 bilhão para auxiliar refugiados na Ucrânia

Agência da ONU tem plano de ação de US$ 1,7 milhão para atuar com refugiados da guerra. Uma das preocupações é com os apátridas, que somam mais de 800 mil pessoas

Tainá Andrade
postado em 07/03/2022 05:53 / atualizado em 07/03/2022 13:28
Se o conflito continuar, segundo Godinho, o número de refugiados pode aumentar muito -  (crédito:  UNHCR/Divulgação)
Se o conflito continuar, segundo Godinho, o número de refugiados pode aumentar muito - (crédito: UNHCR/Divulgação)

Em 11 dias de guerra entre Rússia e Ucrânia, o conflito deixou mais de 1,5 milhão pessoas refugiadas. De acordo com o porta-voz do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados no Brasil (ACNUR), Luiz Fernando Godinho, se o cessar-fogo não acontecer logo, o número aumentará tanto fora da Ucrânia, quanto internamente, o que intensificará o problema humanitário no local. “Reafirmo: é preciso cessar o conflito, preservar as vidas humanas, a infraestrutura civil, para que as pessoas tenham condições e segurança para retornarem ao país. Se não for suspenso o conflito, o fluxo vai continuar e o número de pessoas refugiadas vai aumentar”, ressaltou.

O país passou a ter conflitos com a Rússia em 2014, após o ex-presidente ucraniano e pró-russo, Viktor Yanukovych, ser deposto. O território da Crimeia — um dos principais alvos dos bombardeios russos — foi invadido por militares de Vladimir Putin com a justificativa de impedir que o estado se aliasse à União Europeia. Nessa disputa, uma série de fatos corroborou para o conflito emergir em uma guerra. Primeiro, o Parlamento da Crimeia elegeu um primeiro-ministro pró-Rússia e votou pela separação da Ucrânia. Em 16 de março de 2014, os líderes organizaram um referendo para civis escolherem se deveriam tornar-se uma república autônoma ao se unir à Rússia. A própria Ucrânia, Estados Unidos da América (EUA) e Reino Unido consideraram o ato ilegal. O conflito se intensificou e os primeiros refugiados ucranianos passaram a aparecer.

Antes da crise recente, eram 5 mil pessoas refugiadas, 36 mil apátridas — pessoas que não têm a nacionalidade reconhecida por nenhum país —, e 854 mil deslocados internos, que eram auxiliados pelos seis escritórios do ACNUR distribuídos no território. Agora, a agência tem trabalhado um novo plano tático, cuja negociação para o acolhimento em países vizinhos é um dos principais pontos. Além disso, Godinho informou que os problemas de discriminação nas fronteiras têm sido monitorados pela entidade. Sobre a portaria interministerial para o Brasil oferecer vistos humanitários, apesar de não ter havido consulta técnica ao ACNUR, o porta-voz afirmou que a iniciativa contemplou todos os perfis auxiliados pela agência, principalmente os apátridas. Confira a entrevista exclusiva ao Correio.

Havia um plano para resposta humanitária dentro da Ucrânia desde 2014, antes do recente conflito começar. O plano utilizado agora é o mesmo?

A Ucrânia já tem uma situação de longos anos. O ACNUR tinha seis escritórios lá dentro. Já havia um plano de resposta para essa situação, em andamento desde o início do ano, de US$ 190 milhões. O que aconteceu foi que, com o início do atual conflito, refizemos o plano e substituímos o anterior, inicialmente para dois ou três meses e depois, com a continuidade, faremos uma nova análise. Ele virou (um plano) de US$ 1,1 bilhão para dentro da Ucrânia e de US$ 550 milhões para os países que estão recebendo refugiados. Ao todo, o plano é de aproximadamente US$ 1,7 bilhão. Isso porque as estimativas são que existam quatro milhões de pessoas fora e 12 milhões de pessoas dentro.

Como está ocorrendo a atuação da agência tanto dentro da Ucrânia, quanto com os países próximos, que estão recebendo os refugiados da guerra?

Para fora, há a resposta regional para refugiados com a coordenação do ACNUR em parceria com mais 12 agências, incluindo outras agências sócias da ONU, ONGs e a sociedade civil. O período do plano é de seis meses. A ideia é trabalhar na identificação das necessidades dos refugiados, destacando as necessidades específicas de gênero, idade, por exemplo, e mais particularmente para mulheres e crianças, que têm sido o perfil majoritário das acolhidas. Temos equipes de emergência no terreno, estamos apoiando as autoridades para receber as pessoas. Com o passar do tempo, vamos atuar nas necessidades mais específicas, como apoio à saúde mental, ações de saneamento, educação, serviços de saúde, proteção direcionada a pessoas que possam ter sofrido violência sexual e crianças desacompanhadas. Para a situação de dentro da Ucrânia é diferente. Apesar das necessidades serem as mesmas, o volume das pessoas justifica os valores maiores. As ações são direcionadas para educação, saúde alimentar, saúde, higiene, mas a coordenação é de outras agências que participam dentro. O ACNUR está atuando nos dois planos, dentro dos US$ 550 milhões, a agência tem US$ 240 milhões para atuar, por exemplo.

E na Europa, como o ACNUR está atuando na realocação das pessoas recém-saídas da Ucrânia?

Em um primeiro momento, a preocupação é assegurar o acolhimento das pessoas quando cruzam as fronteiras. Dialogamos diretamente com os governos dos países vizinhos para fortalecer a chegada, atuamos no manejo dos abrigos e na distribuição de itens não alimentares, como cobertores, colchonetes, kits de cozinha e série de questões que precisam ser feitas dentro dos abrigos. Também estamos fazendo o mapeamento das necessidades específicas para dar as respostas.

As notícias de discriminação nas fronteiras não param de chegar, principalmente pela cor. Como vocês estão lidando com esse tipo de situação?

O ACNUR confirma as informações, recebemos os informes e temos feito lobbys com os países para que não haja esse tipo de barreiras. O trabalho humanitário deve ser imparcial e neutro, nesse sentido temos atuado para que não tenha nenhum tipo de discriminação pela origem e grupos étnicos, para que (todos) possam cruzar as fronteiras e ter acesso aos serviços. O ACNUR explica que as pessoas precisam ter acesso indiscriminadamente. O controle migratório é feito pelos países e para nós é muito difícil entrar nessa discussão porque são controles feitos pelas autoridades. Se insistirmos, entraremos até na soberania dos países. Estamos com a campanha de arrecadação de recursos no site, tem uma página dedicada à arrecadação de fundos. Em um momento como esse, a melhor forma de ajuda é o financeiro.

A agência foi consultada sobre a emissão de vistos humanitários por parte do Brasil? Como a agência auxilia nesse processo? Há um número estimado de quantos ucranianos solicitaram os vistos para o Brasil?

O ACNUR parabenizou o governo brasileiro pela portaria interministerial que regulamenta a concessão de visto temporário e autorização de residência para fins de acolhida humanitária para nacionais ucranianos e apátridas. A gente tem um contato direto com as autoridades brasileiras, com os ministérios responsáveis pelo documento, mas não houve uma consulta técnica ao ACNUR. No entanto, vemos de forma positiva a ação. Afirma o compromisso do Brasil com a proteção internacional de pessoas afetadas por guerras e conflitos, além de facilitar a chegada dessas pessoas ao país. Tem uma questão interessante nessa situação: a portaria beneficia a população apátrida — que é considerável na Ucrânia. Esse perfil não tem os documentos básicos, então se tem um visto humanitário para chegar em outro país, já é um excelente sinal para sair de onde está. Uma vez com o visto, o governo brasileiro consegue garantir a nacionalidade brasileira, por meio da lei do refúgio e da lei de migração.

Como fica o repatriamento desses ucranianos que chegarem em solo brasileiro?

As pessoas que chegarem no Brasil passarão pelo mesmo processo que outros refugiados. Serão encaminhadas para as ONG parceiras, caso solicitem a condição de refugiado, e passam por uma análise social e econômica. Ainda não há uma discussão sobre algum projeto especial para os ucranianos porque não temos uma estimativa de quantas pessoas virão para o Brasil. O ACNUR não faz o movimento de trazer as pessoas, atendemos no momento em que elas chegam no país de acolhida ou se precisam de ajuda no próprio país.

E como estão as ações da agência junto aos governos para conseguir o cessar-fogo?

Existe o movimento. Não entramos na discussão política porque precisamos manter a imparcialidade e neutralidade entre os dois países envolvidos no conflito. Mas o representante do ACNUR, nas últimas reuniões da ONU, principalmente no Conselho de Segurança, tem se posicionado e fez um discurso pedindo o encerramento do conflito. Reafirmo o apelo: é preciso cessar o conflito, preservar as vidas humanas, a infraestrutura civil para que as pessoas tenham condições e segurança para retornar ao país. Se não for suspenso o conflito, o fluxo vai continuar e o número de pessoas necessitando de ajuda dentro da Ucrânia vai aumentar.

 

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