O presidente Jair Bolsonaro (PL) e o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, conversaram, ontem, por telefone e concordaram em defender um cessar-fogo na Ucrânia, de acordo com comunicado do governo britânico. "Os dirigentes concordam na necessidade de um cessar-fogo urgente na Ucrânia e declararam que a paz deve prevalecer", declarou um porta-voz do Itamaraty. Segundo Johson, o Brasil foi um "aliado vital" no período da Segunda Guerra Mundial e informou que "voltou a ser crucial neste período de crise".
A conversa ocorre após o presidente brasileiro defender neutralidade no conflito entre Rússia e Ucrânia, apesar de o Brasil ter votado contra a Rússia no Conselho de Segurança e na Assembleia-Geral da ONU em reuniões sobre o tema. Em paralelo, o governo brasileiro regulamentou medidas de acolhimento humanitário, como concessão de visto e de residência temporária, a refugiados da guerra.
O ato pode ter sido interpretado como o resultado do trabalho do Itamaraty para manter as portas abertas do Brasil com a comunidade internacional, e evitar o isolamento mundial do país. Isso porque Bolsonaro, desde o último domingo, insistia em posicionar o Brasil na "neutralidade" diante do conflito. A atitude passou a gerar uma dissociação entre o discurso do representante brasileiro na ONU, Ronaldo Costa Filho, com o chefe de estado, o que iniciou uma preocupação entre especialistas em relação ao destino das relações diplomáticas brasileiras.
Protocolo
O cientista político André Rosa pontuou, entretanto, que a ligação é uma ação protocolar do primeiro-ministro, que puxou para si o papel de articulador para enfraquecer a Rússia. "Não vejo como um trunfo do Itamaraty. A ação é algo natural. Ele irá fazer isso com todos os países que tenham um posicionamento contrário ao conflito. É algo protocolar, não um fato isolado com o Brasil", opinou.
Ainda que o Itamaraty não tenha sido o articulador principal da ligação, o embaixador Luiz Augusto Castro Neves, vice-presidente Emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), considerou que o órgão tem sido fundamental para a continuidade das relações diplomáticas do Brasil. "O que temos visto são apenas declarações impensadas do presidente e uma atuação mais consistente por parte do Itamaraty. A verdade é que, ao longo do atual governo, o Brasil perdeu muita relevância. No que diz respeito ao conflito, [o Itamaraty] tem sido muito mais coerente e competente. A credibilidade maior está com a chancelaria", destaca.
Apesar da preocupação com o isolamento, diplomatas ouvidos pelo Correio explicam que, entre as relações diplomáticas, o que é levado em consideração são declarações oficiais de política externa. "Em mensagens dúbias, é importante separar o que são meras declarações gratuitas de atos diplomáticos. No caso do Brasil, não houve nenhuma declaração de política externa desde o início do governo, nem do chanceler. O que houve foram discursos. O nosso presidente é inepto em política internacional. Entrou na categoria dos presidentes folclóricos. Para todos os efeitos, para o resto do mundo, a posição do Brasil é a que o representante da ONU fez", destacou o diplomata brasileiro e professor do Ibmec Paulo Roberto de Almeida.
Consequências
Por outro lado, o impacto nas relações comerciais não é bom. Mesmo com as declarações da ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Tereza Cristina, de que a pasta está à procura de maneiras para reduzir os impactos da guerra — inclusive tentando uma aproximação com o Canadá —, o diplomata explicou que a confusão criada no país acaba direcionando os investidores estrangeiros a buscarem outras fontes de informação segura. Nesse caso, o chanceler se torna protagonista.
Na opinião de Almeida, a questão continua problemática, pois o discurso do representante brasileiro na votação da resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) seguiu a mesma postura vaga adotada por Bolsonaro. "Quando você fala em cessação de hostilidades, é uma fala ambígua, mas que ambiguidade? Não existe ambiguidade em uma guerra. Na prática, os governos estrangeiros irão reparar o efeito disso. É uma posição que contempla a vontade do presidente, com palavras medidas para não descontentar Bolsonaro", disse. "A única consequência é que ele fica mais isolado ainda. Talvez a gente não tenha a boa vontade do Marrocos, do Canadá, da Austrália, por exemplo, porque todos os países têm contratos a cumprir. Mas, talvez, para virar um novo sócio, o Brasil ficará, no fim da fila", acrescentou.
A desorientação estrangeira sobre a verdadeira posição do governo brasileiro, no fim, resulta na desconfiança do principal capital que outros países depositam no país. "Há pouco que o Brasil pode fazer para restaurar a confiança dos investidores estrangeiros. É difícil substituir essas fontes no curto prazo e, além disso, o preço global dos fertilizantes deve subir por causa da crise atual. Um posicionamento próximo dos EUA e da União Europeia ajudaria. Ou, pelo menos, não atrapalha", concluiu Maurício Santoro, cientista político e professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Visto humanitário
O governo brasileiro editou portaria para conceder visto temporário e autorização de residência humanitária para ucranianos e apátridas que tenham sido afetados ou deslocados pela situação de conflito armado na Ucrânia. O texto foi publicado ontem.
Com validade até 31 de agosto de 2022, o documento, assinado pelos ministros Anderson Torres e Carlos França, da Justiça e Segurança Pública e das Relações Exteriores, "não afasta a possibilidade de outras medidas que possam ser adotadas" pelo Brasil para a proteção dos estrangeiros.
Para a residência temporária, fica definido o prazo máximo de dois anos. Além disso, os ucranianos que já estão no Brasil, independentemente da condição migratória que tenham chegado ao país, poderão requerer autorização de residência para acolhida humanitária.
Para solicitar o visto temporário, o cidadão ucraniano precisa apresentar documento de viagem válido; formulário de solicitação de visto preenchido; comprovante de meio de transporte de entrada no território brasileiro; e atestado de antecedentes criminais expedido pela Ucrânia ou outro país.
Na última segunda-feira, Bolsonaro declarou que, mesmo com o espaço aéreo fechado na Ucrânia, os refugiados serão bem-vindos no Brasil. "Vamos abrir a possibilidade de ucranianos virem ao Brasil através do visto humanitário. Serão bem recebidos", anunciou. O mecanismo de vistos humanitários já foi usado no Brasil em outros episódios, como no acolhimento brasileiro aos venezuelanos e haitianos.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.