ENTREVISTA

"Cada minuto que passa é essencial", diz voluntário brasileiro na Ucrânia

O 'Correio' conversou com o cientista Rodolfo Caires, que reside na Irlanda, mas foi até a Ucrânia para ajudar a resgatar brasileiros que estão tentando deixar o país

Taísa Medeiros
postado em 02/03/2022 21:39 / atualizado em 02/03/2022 21:40
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

Sem conseguirem ficar inertes diante da guerra na Ucrânia, a gerente Ligia Lapa, 31 anos, e a advogada Clara Magalhães Martins, também de 31, construíram, de maneira orgânica, o Frente BrazUcra. O grupo de voluntários tem o objetivo de auxiliar no resgate de brasileiros que estão na Ucrânia em meio a guerra contra a Rússia. Até o momento, cerca de 20 pessoas foram resgatadas, sendo 18 cidadãos brasileiros.

Clara deixou a Alemanha, onde mora, para prestar apoio aos brasileiros que tentam sair do país em guerra. Com ela, está o brasileiro Rodolfo Caires. O cientista de 32 anos, residente de Dublin, na Irlanda, pegou um voo de três horas e meia, desembarcou na Polônia e foi até a Ucrânia para prestar apoio. “Tive a ideia meio que de súbito quando vi as imagens chegando do conflito na sexta-feira de manhã. Pensei: ‘eu tenho que ir o mais rápido possível. O pessoal está precisando de ajuda e não está tendo informações’”, conta o brasileiro, que há pouco mais de três semanas esteve na Ucrânia como turista.

Rodolfo relata que o medo toma conta das estações de metrô, que servem como bunkers (abrigos) para os cidadãos. “As pessoas estão muito assustadas, porque quando você chega na estação de trem, em Lviv, é um pandemônio, é tudo caótico, não tem informação”. Entre um resgate e outro, o cientista conversou com o Correio na noite desta quarta-feira (2/3) e contou sobre os desafios que vem enfrentando para ajudar a resgatar brasileiros em território ucraniano. Confira a entrevista.


Qual é sua relação com a Ucrânia?

Domingo (27/2) de manhã eu já estava em território ucraniano. (Sobre a) Minha relação com esse país, eu vim aqui a turismo, há mais ou menos três semanas. Conheci a capital, conversei com pessoas locais, visitei Chernobyl, andei ali na região de Pripyat, o guia super gente boa contou a história dele, a história do pai dele, que eles eram ucranianos, o que eles passaram durante o período do comunismo. Conversei com o taxista e com as senhoras que estão vendendo artesanato na rua. É bastante intensa a história da Ucrânia, né? Eles passaram por muita dificuldade.

Eu saí um dia antes do espaço aéreo da Ucrânia fechar, acho que foi no dia 22 de fevereiro, e desde então vi que o país que eu tinha ido um pouco antes, um país bonito, com um povo gente boa, e que, embora tenham sofrido muito durante a vida, se mantinham otimistas, né? E aí eu li tudo isso e resolvi voltar pra ajudar, tentar fazer minha parte para ajudar no no que fosse possível.

Como tem sido os resgates? As pessoas estão muito assustadas, ou ainda não caiu a ficha?

Os resgates têm sido emocionantes. As histórias são impressionantes. Não está fácil. Teve gente que teve que andar quilômetros até a fronteira e não conseguiu passar com criança, bebê de colo, estava há dias sem comer. Eu mesmo levei um grupo hoje que o pai foi separado da filha e da mulher porque não deixaram ele embarcar no trem. Foram separados sem saber se iam se reencontrar.

As pessoas estão muito assustadas, porque quando você chega na estação de trem, em Lviv, é um pandemônio, é tudo caótico, não tem informação, está lotado de gente, as filas para tudo estão enormes, o caixa para sacar dinheiro não tem mais dinheiro. Tem muita gente que não fala a língua, perdido, então a gente serve como ponto de apoio para essas pessoas que chegam desnorteadas. É muito emocionante ver os reencontros. Saber que você está fazendo a diferença na vida das pessoas não tem preço. É a recompensa do nosso serviço.

O cerco está se fechando? Há uma preocupação de que não dê tempo de todos saírem?

O cerco está fechando. Tanto eu quanto a Clara, vimos que começou e a gente veio o mais rápido possível, porque a guerra está ficando cada vez mais ferrenha, a situação está cada vez mais complicada. Cada minuto que passa é essencial. Estamos com uma corrida contra o tempo para tirar todo mundo da Ucrânia o mais rápido possível. Há preocupação que não dê tempo porque os trens ainda estão passando, e no momento já não dá pra fazer a maioria dos trajetos de carro.

Eu vim para cá, dirigi até a entrada de Kiev e não consegui entrar porque tinha um tanque de guerra russo no meio da rodovia travando combate com as tropas ucranianas. Eu tive que dar meia volta praticamente vendo a cidade já não deu para entrar de carro. Está cada vez mais difícil o transporte, a locomoção, até porque o exército ucraniano está está destruindo pontes para impedir o avanço russo, então as rotas estão ficando cada vez mais complicadas, porque você precisa desviar por estrada na floresta, que é muito esburacada, estrada de barro. Tem muita blitz do Exército.

Então toda cidade, todo centro urbano, na entrada tem uma uma barreira militar onde eles checam seu documento, checa o documento do carro, pergunta o que você vai fazer, abre o porta-malas e isso gera um tráfego muito intenso nas cidades, então o trânsito está terrível por aqui. E as barreiras estão fazendo cada vez mais, né? Dirigindo aqui pra Polônia hoje teve um lugar, um trecho que em cem metros a gente foi parado três vezes para checar passaporte e abrir porta-malas. Eu não estou exagerando. Em cem metros foram três vezes.

A situação está cada vez mais difícil, então a gente tem essa pressa de não parar, de estar sempre buscando e trazendo gente. A Clara, ela dirigiu dez horas, deixou um grupo na Hungria, encheu o carro de compras do supermercado e já pegou, já voltou direto, chegou na Ucrânia, já foi levar o produto, já foi buscar gente, então a gente não tá parando. E hoje, enquanto a gente fazia a travessia de Lviv, na Ucrânia para Polônia, a gente recebeu a notícia que que tinha caído um um míssil, uma bomba, perto da estação de trem de Kiev, na estação central. Eles ainda estão determinando a quantidade de feridos, é uma informação que a gente ainda está esperando a confirmação dela. Mas aí para você ver, se atacam a estação de trem, imagina se os trens param de passar? Então a gente está indicando todo mundo 'pega um trem e sai de Kiev, sai de regiões de conflito, vem aqui pra Lviv ou vai direto pra outros países se for possível, chegando aqui a gente vai cuidar de vocês, um por um'.

A gente está olhando caso a caso, a gente está tendo certeza que todas as pessoas estão sendo acompanhadas, a gente tem um grupo no Telegram de mais de mil voluntários. A gente tem oito organizadores trabalhando full time, 24h por dia, toda pista toda dica, toda pessoa que aparece precisando de ajuda, alguém sabe se é uma pessoa que tá em tal lugar, a gente acompanha o caso das pessoas um por um e a gente tá fazendo esse trabalho, né? Como eles dizem, o trabalho é de formiguinha, mas de grão em grão, né?

Qual o maior aprendizado que você tira hoje desta sua vivência?

A gente vai tirando as pessoas, já foram mais de dez pessoas que foram retiradas e esse número continua aumentando a cada dia, então a gente vê que o nosso serviço aqui, o nosso trabalho está fazendo a diferença. Às vezes a gente pensa, 'ah, dez pessoas é muito pouca gente'. Se fosse uma pessoa, teria valido a pena. Porque pra cada pessoa que a gente tirou da Ucrânia e levou para outro país em segurança, você vê no rosto dela, no olhar delas, a gratidão, como que a gente fez a diferença na vida dela, sabe? Então a gente está aqui pra isso, a gente vai continuar aqui no nosso trabalho, a gente ajuda os brasileiros presencialmente mas a gente não faz segregação, se tiver espaço no carro a gente leva quem quer que seja. Vamos continuar aqui enquanto der e a gente pede que os brasileiros continuem ajudando do modo que der, que seja buscando informações, né? Que seja doando através de vaquinha, compartilhando notícias, a gente tá todo mundo junto nessa.

 

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