O local onde fica a torre de TV alvejada pelas forças russas em Kiev, capital da Ucrânia, na terça-feira (1/3), guarda um triste simbolismo para a história mundial.
O equipamento está situado nas imediações do palco de um dos maiores massacres de judeus pelas forças alemãs durante a Segunda Guerra Mundial.
Babi Yar, em russo e ucraniano, significa "Ravina das Vovós". Ravina, também chamada em português de voçoroca ou boçoroca, é uma fenda profunda produzida no solo pela erosão.
Até metade do século passado, essa formação ficava situada em meio a um descampado na periferia de Kiev, então capital da república soviética da Ucrânia. Com menos de 200 mil habitantes, a cidade era a maior do país.
Quando se iniciou a Operação Barbarossa, como foi batizada a invasão alemã da União Soviética a partir de junho de 1941, a Ucrânia era um objetivo fundamental no plano do regime de Adolf Hitler.
Além de ser a maior das repúblicas não russas, tinha imenso valor econômico - seu solo negro era propício para a atividade agrícola, tornando-a um celeiro de cereais para o país.
Também era decisiva do ponto de vista estratégico, uma vez que poderia servir como cabeça de ponte para o avanço em direção a Moscou.
Por isso, um dos três braços da invasão, a cargo do Grupo de Exércitos Centro, tinha como uma de suas missões fundamentais o cerco e a tomada de Kiev.
'Holocausto das balas'
Os alemães levaram dez dias para capturar a capital. Além de centenas de milhares de prisioneiros, os ocupantes assumiram o controle de uma população civil que incluía cerca de 50 mil judeus.
Desde o final do século 18, a cidade foi o centro da vida judaica na Europa. Sua Sinagoga Central, imponente prédio de dois andares no bairro central de Podol, construído em 1895, era a mais importante instituição judaica do país.
Numa república com maior diversidade étnica, linguística e cultural do que outras regiões soviéticas - distintas regiões da Ucrânia haviam sido parte do Império Austro-húngaro, da Polônia e da União Soviética -, os judeus constituíam um elemento comum.
Dez dias depois de tomar a cidade, as autoridades militares alemãs convocaram "todos os judeus residentes de Kiev e arredores" para que comparecessem à esquina das ruas Melnyk e Dokterivsky na manhã de 29 de setembro.
Eram orientados a levar consigo documentos, dinheiro e roupas, sob pena de fuzilamento.
Acostumados a deportações sob o regime soviético de Josef Stalin, os judeus de Kiev atenderam ao chamado, acreditando que seriam embarcados em trens.
Levados a Babi Yar em grupos de dez, eram fuzilados à beira da ravina, e seus corpos rolavam para o fundo do barranco.
A operação, que durou dois dias, deixou cerca de 34 mil mortos entre homens, mulheres e crianças.
As execuções ficaram a cargo do Einsatzgruppen C, unidade das SS (unidade paramilitar nazista), com apoio de outras unidades encarregadas de extermínio e do 6º Exército Alemão.
Esse episódio é considerado individualmente o maior massacre do Holocausto.
Historiadores estimam que mais de 2 milhões de pessoas foram executadas a tiros em valas comuns em episódios como o de Babi Yar, no que ficou conhecido como "Holocausto das Balas".
Memorial
Nos anos seguintes, as autoridades alemãs continuaram usando Babi Yar como local de execuções de judeus.
Depois da guerra, as autoridades soviéticas ergueram em Babi Yar um campo de prisioneiros alemães.
A expansão da cidade, nos anos 1960 e 1970, levou à urbanização da ravina, cercada por avenidas e conjuntos residenciais.
Apenas em 1976 o local recebeu um memorial a todos os mortos na Grande Guerra Patriótica, como era conhecida na União Soviética a Segunda Guerra Mundial, uma vez que o regime evitava fazer referência ao fato de os judeus terem sido um alvo preferencial de Hitler.
Um memorial específico sobre os massacres de judeus só foi construído em Babi Yar depois do fim da União Soviética.
Atualmente, Babi Yar é um parque arborizado e silencioso que faz parte da paisagem urbana de Kiev.
Em seu interior, pode-se encontrar monumentos de várias épocas sobre os episódios que ali tiveram lugar, incluindo um memorial dedicado às vítimas do Holocausto.
A mais famosa homenagem, porém, não está situada nos limites do parque. É o poema Babi Yar, do poeta russo Yevgueni Yevtushenko, escrito em 1961 para protestar contra a recusa das autoridades soviéticas de assinalar o massacre de judeus no local.
Disse o poeta:
"Nenhum monumento ergue-se em Babi Yar.
Uma gota pura como uma lápide crua.
Tenho medo.
Hoje sou velho em idade
como todo o povo judeu.
Agora eu pareço ser
um judeu."
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