Guerra no leste europeu

Agonia de ucranianos continua após Rússia e Ucrânia não entrarem em acordo de cessar-fogo

Enquanto as tropas da Rússia amplificam a intensidade dos ataques a cidades ucranianas, sem vitórias expressivas, negociadores dos dois países se encontram em Belarus para iniciar negociação de cessar-fogo

Vinicius Doria - Especial para o Correio
postado em 01/03/2022 06:00
 (crédito: Sergey Bobok/AFP)
(crédito: Sergey Bobok/AFP)

Há quatro guerras sendo travadas simultaneamente na Ucrânia. O presidente da Ucrânia, Volodimyr Zelensky, já venceu uma: a da comunicação. De comediante e político de direita, virou líder da resistência que, depois de cinco dias de combates, segue rechaçando as investidas russas às principais cidades do país, principalmente a capital, Kiev, e Khirkiv, com a segunda maior população urbana.

Ontem, em mais um movimento com impacto midiático, Zelensky assinou um pedido de ingresso na União Europeia. O que chamou a atenção foi o cenário: o saguão de um palácio, provavelmente em Kiev, devidamente protegido por barricadas de sacos de areia.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, avança para ganhar a guerra de solo, convencional, que provoca mortes e destruição imediatas. Mas, assim como no campo da imagem, em que é tratado como o vilão número um do planeta, Putin perdeu também a guerra da economia: as sanções impostas pelos países ocidentais provocarão danos muito difíceis de serem reparados por um país isolado de quase todo o resto do mundo. O grau das perdas econômicas e financeiras vai depender de quanto a China está disposta a ajudar a financiar o país dele.

Pelo voto do embaixador chinês na reunião extraordinária da Assembleia Geral da ONU, Zhang Jun, esse apoio não será tão amplo assim, caso a Rússia mantenha a decisão de ocupar a Ucrânia. "Todos os países devem ter sua integridade territorial e soberania respeitadas, e os princípios da Carta da ONU devem ser cumpridos, mentendo a paz", discursou Jun ao votar a favor da resolução das Naçoes Unidas que condena a invasão. O Brasil também votou a favor, repetindo a postura adotada no Conselho de Segurança.

Cessar-fogo

A quarta frente se dá no âmbito da diplomacia direta entre os contendores, não amplifica ameaças, não solta foguetes nem dispara bravatas. É movida pela paciência e crença no diálogo. Ontem, em Gomel, na fronteira de Belarus com a Ucrânia, comissões de negociação da Rússia e da Ucrânia, sob a proteção do ditador Aleksandr Lukashenko —  último aliado de Putin na fronteira da Rússia com a Europa — lançaram suas primeiras cartas na mesa. O objetivo era discutir um cessar-fogo.

Depois de cinco horas de reunião, segundo a agência russa Tass, não houve acordo, mas as posições iniciais foram apresentadas. Putin mandou seu recado: exige o reconhecimento da Crimeia como território russo e a desmilitarização e "desnazificação" da Ucrânia como condições para acabar com a invasão.

O presidente Zelensky ja havia dito que não tinha muita esperança em conseguir um cessar-fogo imediato e que não abriria mão da retirada total das tropas invasoras. Depois da reunião, os negociadores retornaram as suas capitais para consultas, segundo informou o negociador-chefe da delegação ucraniana, Mikhailo Podoliak.

"As partes estabeleceram uma série de prioridades e questões que exigem algumas decisões", disse Podoliak, enquanto seu homólogo russo, Vladimir Medinski, informou que uma nova reunião ocorrerá "em breve" na fronteira entre a Polônia e Belarus.

Enquanto a reunião transcorria, Putin telefonou para o presidente da França, Emmanuel Macron, e listou as exigências da Rússia: reconhecimento da Crimeia como território russo e a desmilitarização e "desnazificação" da Ucrânia como condições preliminares para a resolução do conflito, informou o Kremlin por meio de um comunicado, após a ligação telefônica.

Ataques aumentam

Enquanto os negociadores conversavam, as principais cidades da Ucrânia sofriam o dia mais violento dos combates até agora, com bombardeios e ataques de tropas de infantaria. No campo de batalha, os ucranianos parecem manter a capacidade de resistência diante dos russos, que não conseguiram anunciar nenhuma vitória contundente.

Em Kharkiv, a segunda maior cidade do país, pelo menos 11 pessoas foram mortas, entre elas três crianças, em ataques a áreas civis. "O inimigo russo bombardeia bairros residenciais. O que está acontecendo agora em Kharkiv é um crime de guerra!", denunciou o governador regional de Kharkiv, Oleg Sinegubov, nas redes sociais. ONGs que atuam na região denunciaram que o Exército russo está utilizando bombas de fragmentação, chamadas de clusters, que explodem fragmentos para todos os lados e, por isso, são banidas por acordos internacionais.

Jornalistas viram soldados russos mortos, próximos a uma escola em ruínas, não muito longe do centro da cidade, que tem 1,4 milhão de habitantes e fica a menos de 50km da fronteira com a Rússia.

O exército russo afirma que cercou Kherson, mais a oeste, ambas próximas da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014. A cidade portuária de Mariupol também resiste, apesar de a Rússia ter divulgado, há cinco dias, que havia "assumido o controle" da área.

O balanço de mortos e feridos continua incerto. A Ucrânia informou que 200 civis e dezenas de militares morreram desde quinta-feira, incluindo 16 crianças e adolescentes.

A ONU registrou 102 mortes de civis, incluindo sete crianças, e 304 feridos, mas advertiu que os números reais podem ser "consideravelmente" maiores.

Na capital, Kiev, a resistência repeliu vários ataques ao longo do dia. Sem combates na área mais central da cidade, longas filas foram formadas do lado de fora de supermercados, com a população exausta. Nas ruas, brigadas de voluntários instalaram barricadas improvisadas.

A invasão desencadeou uma avalanche de sanções da aliança ocidental, que inclui bloqueios de acesso ao sistema financeiro, fechamento do espaço aéreo para aviões russos e interdição de portos.

Muitos países ofereceram armas à Ucrânia. Ontem, foi a vez da Finlândia anunciar uma postura inédita. O país nórdico tem mais de 1,3 mil km de fronteira com a Rússia e, tradicionalmente, não exporta armas para zonas de conflito. Agora, vai enviar 2,5 mil fuzis de assalto, 150 mil munições, 1,5 mil lançadores de granadas e 70 mil rações de campanha, além de coletes à prova de balas, capacetes e um hospital de campanha, como detalhou o ministro da Defesa, Antti Kaikkonen. "A mudança de linha da Alemanha foi particularmente significativa", disse Kaikkonen.

A guerra na Ucrânia fez a Alemanha romper com sua doutrina e assumir o compromisso de fornecer à resistência comandada por Zelensky mil lançadores de foguetes antitanque, 500 mísseis terra-ar Stinger, nove lançadores de bombas, 14 veículos blindados e 10 mil toneladas de combustível.

Outra medida de contenção foi adotada pela Turquia, que fechou os estreitos de Bósforo e de Dardanelos, no Mar Negro, para a Marinha russa, interrompendo o acesso ao Mediterrâneo. "Decidimos usar a Convenção de Montreux para evitar uma escalada da crise", declarou o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan. A convenção confia a Ancara a gestão do livre acesso às duas vias marítimas desde 1936, exceto em caso de guerra.

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