GUERRA NO LESTE EUROPEU

ONU e União Europeia anunciam sanções e apertam o cerco contra a Rússia

Bloco europeu decide bloquear transações financeiras com o Banco Central da Rússia e fecha o espaço aéreo para aviões do país. Assembleia Geral das Nações Unidas vai se pronunciar sobre invasão

Dois movimentos da diplomacia internacional — nas Nações Unidas e na União Europeia (UE) — potencializaram, ontem, a pressão para conter a sanha bélica do presidente russo, Vladimir Putin. Em Bruxelas, foi selado um acordo político para bloquear transações financeiras com o Banco Central da Rússia, anunciou o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell. Além disso, determinou-se o fechamento do espaço aéreo continental para aeronaves russas. Horas depois, em Nova York, o Conselho de Segurança da ONU convocou para hoje, "em sessão extraordinária de emergência", a Assembleia Geral, a fim de que seus 193 membros se pronunciem sobre a invasão à Ucrânia.

A iniciativa, promovida pelos Estados Unidos e pela Albânia, foi aprovada por 11 países, com o voto contrário da Rússia e a abstenção de China, Índia e Emirados Árabes. O regulamento das Nações Unidas, porém, não contempla o direito ao veto para recorrer a essa instância. A reunião, marcada para as 10h, deve se estender por todo o dia.

Com base em um procedimento estabelecido em 1950 e intitulado A União pela Paz, esse recurso, que representa um revés para a Rússia no cenário diplomático internacional, não pode ser vetado por nenhum dos cinco países membros do Conselho de Segurança. Recorrer à Assembleia Geral, o que aconteceu algumas vezes na história da ONU, permitirá que os países membros se posicionem sobre o conflito, entre os defensores da democracia e da soberania da Ucrânia e o apoio a Moscou.

Na Europa, a investida mirou, mais uma vez, os cofres de Moscou. Anunciada horas depois da exclusão de algumas instituições financeiras russas da plataforma Swift, o bloqueio das transações do Banco Central russo estava previsto para valer a partir de hoje, antes da abertura dos mercados. Segundo Borrell, atingirá mais da metade das reservas do banco.

As demais medidas foram divulgadas pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. "Nosso espaço aéreo estará fechado para todos os aviões russos, incluindo os jatos particulares dos oligarcas", disse ela, ressaltando ainda a desarticulação "da máquina de imprensa do Kremlin" na UE.

O bloco europeu também anunciou que adotará sanções contra o governo bielorrusso, por ter permitido que seu país fosse usado como plataforma de lançamento da ofensiva russa contra a Ucrânia. O governo bielorrusso de Alexander Lukashenko "é cúmplice no ataque à Ucrânia", acusou Ursula.

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Crise humanitária

Os países da UE também começaram a organizar a recepção das centenas de milhares de ucranianos que fogem da ofensiva iniciada pela Rússia, e discutiram a possível concessão de uma proteção temporária. Estima-se que em torno de 368 mil pessoas tenham deixado a Ucrânia nos últimos quatro dias, a metade delas em direção à Polônia. Os Estados membros da UE discutem uma resposta coordenada à essa crise humanitária. Também o Conselho de Segurança da ONU vai discutir hoje o tema.

Os ministros do Interior europeus exibiram uma "grande maioria" a favor da implementação de uma Diretiva de Proteção Temporária, aprovada em 2002, mas, na prática, nunca usada. Essa iniciativa contempla a concessão de um acolhimento temporário a refugiados de países vizinhos da UE e sua posterior distribuição entre os membros do bloco.

Os ucranianos com passaporte biométrico podem entrar no território da UE por um período de até três meses sem visto, mas o bloco quer definir uma ação ainda mais ampla. A comissária europeia do Interior, Ylva Johansson, afirmou que este "é o momento certo" para implementar a diretiva.

A Bélgica foi um dos países que defenderam a sua implementação imediata. Ao chegar à reunião em Bruxelas, o ministro do Interior do país, Sammy Mahdi, defendeu a aplicação da diretiva para garantir proteção em nível continental. "Estamos em um momento histórico da UE", ressaltou.

Para que possa ser implementado, o mecanismo requer o voto de 15 dos 27 países-membros e que representem pelo menos 65% da população do bloco.

Ylva Johansson explicou que, neste momento, os ucranianos que entram no território europeu abrigam-se na casa de amigos ou familiares, e que apenas um "número limitado" deles apresenta um pedido de asilo. Johansson vai hoje até a fronteira entre Romênia e Ucrânia para verificar as principais necessidades dos refugiados.

As previsões são pessimistas. O comissário europeu para Gestão de Crises, o esloveno Janez Lenarcic, estima que a ofensiva militar iniciada pela Rússia na Ucrânia resultará em até quatro milhões de refugiados e provocará o deslocamento de mais de sete milhões de pessoas. "Estamos testemunhando o que pode se tornar a maior crise humanitária no continente europeu em muitos anos", assinalou.

Lenarcic destacou que "por causa dos combates, é muito difícil fazer um levantamento sobre as necessidades" prioritárias da população civil. Ele mencionou que, segundo a ONU, cerca de 18 milhões de ucranianos serão afetados, do ponto de vista humanitário, seja dentro do território da Ucrânia seja em países vizinhos. "De qualquer forma, embora sejam estimativas aproximadas, os números são altos e teremos que nos preparar para esses tipos de emergências", disse Lenarcic.

Em meio às ações políticas e diplomáticas, a população europeia intensifica os protestos contra a guerra, pedindo mais sanções contra Moscou e acusando o presidente russo, Vladimir Putin, de prática de crimes internacionais. O maior deles mobilizou, ontem, pelo menos 100 mil pessoas em Berlim.

Reunidos em frente ao Portão de Brandemburgo e ao Reichstag, prédio da Câmara dos Deputados, os manifestantes carregavam bandeiras em amarelo e azul, as cores nacionais da Ucrânia. "Pare o assassino", destacava um dos cartazes, em referência a Putin. A Alemanha abriga mais de 300 mil pessoas de origem, ou nacionalidade, ucraniana em seu território e também conta com uma grande diáspora russa, sobretudo, em Berlim.

Também houve protestos nos Estados Unidos. Com o agravamento da situação e o fechamento do espaço aéreo europeu para os russos, Washington pediu aos cidadãos americanos na Rússia que "considerem" deixar o país imediatamente.

Nova era na Alemanha

O chanceler alemão, Olaf Scholz, anunciou uma reviravolta nas políticas externa e de defesa do país, no momento em que a maior economia da Europa se vê forçada, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, a abandonar décadas de relutância a aumentar seu perfil militar. Oprimida pela culpa durante o pós-Guerra, a Alemanha sempre se moveu de maneira discreta e silenciosa no plano mundial em relação aos conflitos. Mas, agora, o cenário mudou.

Em uma sessão parlamentar de emergência, Scholz enfatizou: "Com a invasão da Ucrânia, nós nos encontramos em uma nova era". Apenas algumas horas depois de Berlin revogar, repentinamente, sua proibição de exportar armas letais para zonas de conflito, anunciando grandes remessas para a Ucrânia, o chanceler revelou que, este ano, serão destinados 100 bilhões de euros (quase US$ 113 bilhões) para investimentos na Bundeswehr, suas Forças Armadas.

O sucessor de Angela Merkel ressaltou, contudo, que um investimento dessa envergadura na área militar deverá estar devidamente endossado na Constituição alemã. Segundo ele, a maior economia da Europa investirá mais de 2% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em defesa. Esse compromisso supera o percentual reivindicado pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), deixando para trás anos de aplicações vistas como insuficientes pelos aliados de Berlin.

As duras críticas lançadas pelo então presidente americano, Donald Trump, à Merkel pelo descumprimento alemão das metas da Otan dificultaram anos da relação transatlântica.

Agora, Scholz observou que a decisão do presidente Vladimir Putin deixou bem claro que a Alemanha deverá investir muito mais na segurança do país. "O objetivo é desenvolver um Exército poderoso, avançado e que nos proteja de uma maneira confiável", frisou.

Essa mudança de atitude é mais notável se levado em conta a composição do atual governo, que incluiu os Verdes, sempre contrários à exportação de armas. "Se este é um mundo diferente, então nossa política também deve ser diferente", ressaltou a atual chefe da diplomacia, a "verde" Annalena Baerbock.