O mundo sentirá o peso da decisão da Rússia de bloquear o acesso ao Mar Negro, dentro de sua estratégia de bombardear a Ucrânia. A perspectiva é de que a economia global sofra um novo choque nos preços industriais tão ou mais violento como o que se viu durante a pandemia do novo coronavírus, que resultou em uma persistente inflação global. O Mar Negro é estratégico para o escoamento dos produtos russos para o Ocidente via Estreito de Bósforo, uma vez que, no Norte, as águas são congeladas. Por ali, passam 70% do comércio de produtos industrializados, insumos e matérias-primas, pois é usado como rota pelos países da Ásia, grandes supridores das fábricas espalhadas pelo planeta.
"O fluxo comercial que passa pelo Mar Negro é importante para a economia global. E, dependendo do tempo do bloqueio, o choque de oferta e de preços será enorme", alertou o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Essa passagem atinge gregos e troianos, tanto os bloqueados quanto os que bloquearam. Logo, todos vão sofrer se essa guerra for prolongada", emendou. O bloqueio russo dos portos ucranianos no Mar Negro, de acordo com analistas, ajuda a enfraquecer a economia daquele país, que é um grande exportador de milho, cevada e trigo. Mas, ao tentar estabelecer um domínio geopolítico na região e na ligação entre a Europa, a Ásia e o Oriente Médio, Moscou também pode correr riscos, caso o conflito se estenda por um prazo muito longo.
Todos perdem
Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores Associados, lembrou que o Mar Negro é um corredor comercial muito importante. E não por acaso o presidente russo, Vladimir Putin, anexou a Crimeia em 2014. "Do ponto de vista estratégico, faz sentido que Putin ataque por esse caminho. Mas, dependendo do tempo dessa guerra, a Rússia também vai sangrar, pois os produtos exportados pelo país também passam pelo Mar Negro", alertou. Ele lembrou, ainda, que o Mar Negro integra a nova rota da seda para o escoamento dos produtos da China e da Índia no continente europeu. Por isso, o posicionamento mais neutro tanto de Pequim quanto de Nova Délhi em relação à invasão da Ucrânia indica que não querem conflito com Putin.
Thiago Nogueira, professor de direito internacional da Universidade São Judas, acrescentou: "A estratégica da Rússia também visa estimular países como Turquia, Egito e Itália a preferirem a estabilização da região o mais rápido possível, mesmo que com uma ocupação russa nos territórios da Ucrânia. Podemos estar diante de uma nova geopolítica no Velho Continente". Para Luís Gustavo Bettoni, economista da Terra Investimentos, a questão logística ainda continua sendo um problema global. "Considerando a importância dessa rota, certamente, devemos ver um agravamento do problema e, potencialmente, um aumento dos custos", disse. (Com Rosana Hessel)