Guerra no leste europeu

Silêncio de Bolsonaro sobre ataque russo gera desconforto diplomático

Na única menção ao ataque, presidente diz que governo dará apoio aos brasileiros na Ucrânia. Mas critica comentário de Mourão, que, ao contrário da cautela do Itamaraty, comparou Putin a Hitler

O silêncio do presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre o ataque da Rússia à Ucrânia, gesto que contrastou com outros presidentes latino-americanos que condenaram a agressão, gerou grande desconforto diplomático para o Brasil. A única menção que fez à guerra foi quando publicou, no Twitter, que está "totalmente empenhado no esforço de proteger e auxiliar os brasileiros" em solo ucraniano. Na verdade, ele reproduziu a nota do Ministério das Relações Exteriores (MRE) com orientações para quem quiser deixar o país.

A atitude de Bolsonaro levou o encarregado de negócios da embaixada dos Estados Unidos, Douglas Koneff, a cobrar uma postura clara. "As falas que condenam as ações russas que violam as leis ajudam muito a diminuir essa crise", observou.

Cobrança semelhante fez o encarregado de negócios da embaixada da Ucrânia no Brasil, Anatoliy Tkach."Esperamos que o governo brasileiro condene esse ataque ao nosso país", anotou.

Bolsonaro, que esteve há poucos dias em Moscou com Vladimir Putin e chegou a dizer que apoiava as ações russas, não fez qualquer comentário relacionado à guerra em uma inauguração da qual participou em São José do Rio Preto. Antes do evento, o presidente comandou uma motociata.

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Crítica eleitoral

Nesse evento, preferiu atacar o PT a mencionar o ataque russo. "Outras pessoas que diziam que olhavam pelos nordestinos, olhavam, talvez, como uma fonte de receita para a sua quadrilha, e não uma fonte de recurso do caso da Petrobras e BNDES para ajudar o seu povo", disse.

O silêncio de Bolsonaro foi percebido na internet. De acordo com levantamento da Modalmais/AP Exata, divulgado ontem, a rejeição ao presidente no Twitter chegou a 77% por não se posicionar sobre a guerra.

Para Günther Richter Mros, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), "o Brasil não tem uma relação direta com o conflito, mas a situação nos afetará diretamente se os bloqueios econômicos atingirem os fertilizantes e o país, mesmo assim, comprá-los da Rússia. O Brasil vai se indispor com mais países ainda".

Apesar do silêncio durante o dia, na live de ontem à noite Bolsonaro criticou o vice-presidente Hamilton Mourão. "Com todo respeito à pessoa que falou isso, está falando algo que não deve. Não é de competência dela. É de competência nossa. [O posicionamento] É acertado".

Mourão, por sua vez, afirmou que o Brasil não se omitiu, discorda da invasão e ainda comparou Putin ao ditador nazista Adolf Hitler. Segundo o vice-presidente, "tem que haver o uso da força. Se o mundo ocidental deixar que a Ucrânia caia, a próxima será a Bulgária, depois os Estados Bálticos, assim como a Alemanha hitlerista fez".

Para Mourão, as concessões a Putin se assemelham às que foram feitas a Hitler, na década de 1930, quando a Alemanha anexou a Áustria e a extinta Tchecoslováquia. "Se a invasão prosseguir, vai haver um êxodo em massa dos ucranianos na direção da Europa Ocidental", salientou.

Neutralidade

Se Bolsonaro foi criticado por não assumir uma posição sobre o conflito, a nota emitida pelo Itamaraty foi tratada com mais benevolência e vista como a tradicional postura de cautela e neutralidade assumida pelo Brasil diante de crises dessa magnitude. Segundo o diretor de Comunicação Social do MRE, ministro Adriano Pucci, a posição é de "equilíbrio" e de buscar "viabilizar a paz".

"O Brasil não pretende contribuir para rufar os tambores de guerra. A posição do Brasil é de viabilizar a paz a qualquer momento, de acordo com a nossa Constituição e de acordo com a Carta das Nações Unidas", salientou.

Para analistas, a nota neutra do Itamaraty manteve o tom diplomático histórico do país. "A moderação é o que se espera do Brasil. O que destoa é a atitude palaciana no exterior", disse o professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Laerte Apolinário Júnior.

O também professor de relações internacionais da PUC-SP Arthur Murta alertou que manter a neutralidade é o ideal. "Washington não está olhando para cá, agora, mas olhará. Nossa política externa tem se mantido bem-sucedida pelo pragmatismo. A nota preserva isso", observou.