As tensões envolvendo a Rússia e a Ucrânia estão cada dia mais perto de entrar em vias de fato. Nesta quarta-feira (23/2), o parlamento ucraniano aprovou, por ampla maioria, a declaração do estado de emergência nacional, diante da ameaça de uma invasão russa. A medida foi votada horas depois de a Rússia iniciar a evacuação do pessoal diplomático em Kiev e de os Estados Unidos alertarem para o risco de uma ofensiva geral da Rússia contra a ex-república soviética.
Já a Rússia, disse que recebeu um pedido de ajuda de rebeldes separatistas para “combater” o exército da Ucrânia.
O estado de emergência ucraniano permitirá às autoridades regionais reforçarem as medidas de segurança e vigorará em todo o território, com exceção das regiões separatistas de Donetsk e Lugansk. "A situação é difícil, mas permanece sob nosso controle", garantiu o secretário ucraniano de Segurança e Defesa, Oleksiy Danilov.
Essa decisão foi tomada no momento em que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, está" tão preparado quanto é possível estar" para uma invasão em larga escala da Ucrânia, com "cerca de 100%" das forças militares necessárias já em posição, assegurou um alto funcionário do governo americano, que não quis se identificar.
“Eles podem começar a qualquer momento”, disse a fonte à AFP sobre o início da guerra. Isso porque, de acordo com um responsável do Departamento de Defesa dos EUA, 80% dos mais de 150.000 soldados russos presentes nas fronteiras ucranianas estão "em ordem de batalha", organizados em formação de ataque a poucos quilômetros da fronteira.
Diante disso, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, disse, nesta quarta, que o mundo enfrenta "um momento de perigo". O alerta foi dado durante a Assembleia Geral da organização e, na mesma ocasião, o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, disse que “o início de uma guerra em grande escala na Ucrânia será o fim da ordem mundial como a conhecemos", enfatizou.
Preparativos de defesa
Para tentar se proteger de uma eventual ofensiva russa, a Ucrânia decidiu acelerar os preparativos de defesa. O país declarou estado de exceção e mobilizou os reservistas de 18 a 60 anos para o risco de o presidente russo, Vladimir Putin, que desafia as sanções ocidentais, ordenar uma invasão ao país.
Neste contexto de tensão, o vice-primeiro-ministro ucraniano, Mykailo Fyodorov, informou que o país estava sofrendo um novo ataque cibernético em massa contra seus sites oficiais. Um ataque cibernético em larga escala contra a infraestrutura estratégica da Ucrânia é um dos cenários mencionados como prenúncio de uma ofensiva militar.
Horas antes, o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, afirmou que "o futuro da segurança europeia" será decidido na Ucrânia, em um momento em que 150.000 soldados russos estão mobilizados em suas fronteiras, segundo informações dos Estados Unidos.
Na última terça (22/2), Putin obteve a autorização parlamentar para enviar tropas à Ucrânia caso julgue necessário, voltou a exigir que o governo ucraniano desista de entrar na Otan e que a ex-república soviética, de 14 milhões de habitantes, se torne um país "desmilitarizado".
A Ucrânia respondeu ordenando a mobilização de reservistas e pediu aos cidadãos ucranianos na Rússia, que somam cerca de três milhões de pessoas, para saírem do país "imediatamente".
Sanções
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou, também nesta quarta-feira, sanções contra a empresa responsável por operar o gasoduto Nord Stream 2, que liga a Rússia à Alemanha, em uma nova medida para responder às ações de Vladimir Putin na Ucrânia."Estas medidas fazem parte de nossa primeira rodada de sanções em resposta às ações da Rússia na Ucrânia", declarou Biden.
O anúncio, que tem como alvo uma das maiores iniciativas geoestratégicas da Rússia, um país rico em energia. A decisão congela a certificação do gasoduto, que, em funcionamento, aumentaria o fluxo de energia da Rússia para a Alemanha. A medida faz parte da “primeira rodada” de sanções, anunciada na terça-feira (22), para bloquear o acesso da Rússia aos mercados financeiros ocidentais.
A decisão de Biden irritou Vladimir Putin. Após o anúncio da sanção, a Rússia prometeu uma resposta "forte" e "dolorosa". "Que não haja qualquer dúvida: haverá uma resposta forte a essas sanções, não necessariamente simétricas, mas bem calculadas e dolorosas para os Estados Unidos", declarou o Ministério russo das Relações Exteriores.
Sanções também foram anunciadas por União Europeia, Japão, Austrália, Canadá, Alemanha e Reino Unido. Tudo isso, depois que o presidente Vladimir Putin reconheceu a independência de duas regiões separatistas ucranianas, Donetsk e Lugansk, o que demonstrou uma forte escalada na crise.
Refugiados
Os países da União Europeia (UE) vizinhos da Ucrânia começaram a se preparar para enfrentar o fluxo de centenas de milhares ou até de milhões de refugiados caso a invasão da Rússia se concretize. A embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield, alertou para a maior crise de refugiados do mundo atual. Segundo ela, "se a Rússia continuar nesse caminho, poderá, segundo nossas estimativas, criar uma nova crise de refugiados, com até 5 milhões de pessoas deslocadas pela guerra escolhida pela Rússia e sua pressão sobre os vizinhos da Ucrânia".
A Polônia expressou apoio ao país vizinho e vontade de ajudá-lo. "O ministério do Interior está há um tempo tomando medidas para se preparar para uma onda de até um milhão de pessoas", disse no mês passado o vice-ministro do Interior polonês, Maciej Wasik.
Além disso, o primeiro-ministro da Polônia Mateusz Morawiecki criou um grupo de trabalho para definir as necessidades logísticas, de transporte, médicas e educativas para receber os refugiados ucranianos. O ministro da Educação Przemyslaw Czarnek também se pronunciou, dizendo que estão “preparados para receber crianças e jovens nas escolas e os estudantes nas universidades polonesas".
A Eslováquia, que compartilha sua fronteira oriental com a Ucrânia, também tem planos para enfrentar "uma possível pressão dos refugiados", disse o ministro da Defesa, Jaroslav Nad. O ministro do Interior, Roman Mikulec, revelou que há quatro campos de refugiados que poderiam receber os solicitantes de asilo ucranianos.
A Romênia, um dos países mais pobres da Europa, não acredita que muitos ucranianos vão fugir para seu território em caso de conflito, mas está preparada para acolher meio milhão. "Este é o número para o qual estamos preparados", disse o ministro da Defesa, Vasile Dancu. Hungria e Noruega também se manifestaram em apoio à Ucrânia e estão abertos à ideia de receber imigrantes.
Além da onda de refugiados, Linda Thomas-Greenfield chamou atenção para o agravamento da fome no Leste Europeu. "A Ucrânia é um dos maiores fornecedores mundiais de trigo, particularmente para o mundo em desenvolvimento, as ações da Rússia podem fazer com que os preços dos alimentos subam rapidamente e causem uma fome ainda mais desesperadora do que em lugares como Líbia, Iêmen e Líbano".
Moderação
O papa Francisco lamentou, nesta quarta, a situação "cada vez mais preocupante" na Ucrânia. O Santo Padre pediu moderação diante do quadro que põe a "paz de todos" em risco. "Apesar dos esforços diplomáticos destas últimas semanas, temos diante de nós uma situação cada vez mais preocupante", disse Francisco.
"Peço a todas as partes envolvidas que se abstenham de realizar ações que possam provocar ainda mais sofrimento nos povos", acrescentou. O pontífice argentino lançou ainda um apelo "a todos os que têm responsabilidades políticas para que façam um sério exame de consciência diante de Deus, que é um Deus de paz, e não de guerra", para que "sejamos irmãos, e não inimigos".
Francisco declarou que, 2 de março, Quarta-feira de Cinzas, data que marca o início da Quaresma para os católicos, será "um dia de jejum e de oração pela paz" na Ucrânia. "Que a Rainha da Paz salve o mundo da loucura da guerra", concluiu.