Candidata à Presidência

'A corrupção sequestrou a Colômbia', diz Ingrid Betancourt ao Correio

Quase 20 anos após ser capturada pelas Farc, ex-senadora fala sobre pré-candidatura à Presidência da Colômbia, um dos países mais populosos da América Latina

Daqui a 17 dias, completam-se duas décadas do sequestro da então senadora franco-colombiana Ingrid Betancourt. No caminho da região de San Vicente del Caguán, homens da Coluna Móvel Teófilo Forero das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) interceptaram o carro que levava a política, em 23 de fevereiro de 2002. Ingrid e sua assessora Clara Rojas foram tomadas como reféns pelos rebeldes. Durante seis anos, permaneceram em poder da guerrilha até o resgate, em 2 de julho de 2008. Aos 60 anos, Ingrid está pronta para retornar à vida política. Ela aspira ao cargo de presidente da República, nas eleições de 29 de maio. Dois meses antes, o nome da pré-candidata à Casa de Nariño, sede do Executivo, será submetido a uma consulta para validação.

No último sábado, Ingrid abandonou a coalizão de partidos de centro denominada Centro Esperanza, depois de cobrar compromissos contra a corrupção, e decidiu que seguirá na disputa por seu partido, o Verde Oxígeno. Ingrid disse à mídia internacional que não compreendeu o motivo pelo qual os integrantes da coalizão não respeitaram os princípios pactuados. "Eu demorei 20 segundos para tomar essa decisão. Não voltei à Colômbia para ser complacente com a corrupção", explicou. Na entrevista a seguir ao Correio, Ingrid aborda a corrupção, o tempo no cativeiro, a paz na Colômbia, os planos para o país e a ameaça representada pelas dissidências das guerrilhas. 

Por quais motivos a senhora decidiu disputar a Presidência da Colômbia?

Por amor à Colômbia e porque sinto que somos 51 milhões de colombianos sequestrados pelo sistema de corrupção. Estive sequestrada e sei o que implica estar sob domínio das correntes, da arbitrariedade, dos abusos. O que ocorreu comigo se passa a todos os colombianos, submetidos à pobreza e ao medo de como sobreviverão no dia seguinte; ao fato de terem que se separar de suas famílias, obrigados a trabalhar de 12 a 18 horas no setor informal ou ilegal. Essa é a primeira causa da pobreza, do ruim acesso à saúde, da falta de educação e dos baixos salários. Todos os colombianos merecem justiça, que nós os compensemos. Quero retornar à Colômbia para me assegurar que todos os colombianos terão uma compensação. 

Como os seis anos como refém das Farc mudaram a sua vida?

Muitas coisas mudaram. A perspectiva que eu tinha sobre o país era menos global e mais casuística. Eu tinha a impressão de que a pessoas que causam danos à Colômbia eram os corruptos. Hoje em dia, entendo que isso é um sistema. Não vale a pena acusar um ao outro, quando o que devemos fazer é desmontar  o sistema de corrupção que sequestrou a Colômbia e que nos impede de progredir. Um dos pontos é entender como se move o sistema, como devemos confrontá-lo e enfrentá-lo. Durante o cativeiro, pude desenvolver uma verdadeira visão de mulher. Eu era a única mulher entre muitos homens. Entendi as diferenças de nossa aproximação e o que significa contribuir para o mundo a partir da sensibilidade, da inteligência e da emoção de uma mulher. Creio que isso é uma força que pode mudar muitas coisas na Colômbia. 

Quem era Ingrid Betancourt à época do resgate, em 2018, e quem é hoje?

Eu creio que era uma mulher impaciente, muito decidida e muito combativa. Eu não tinha medo de nada. Hoje em dia, creio que a paciência diminuiu, mas sou igualmente teimosa. Quero levar adiante os programas e projetos que tenho. Quero que os defeitos que eu possa ter sejam uma força que me permita lutar contra a corrupção que acabou com o país. A Colômbia é um paraíso, mas a transformaram em um inferno. Quero voltar a encontrar o paraíso.

De que modo a senhora vê a ameaça representada pelas dissidências das Farc e do ELN? Caso eleita, como responderá a essa ameaça?

São ameaças muito graves, porém, bastante diferentes. O ELN é uma guerrilha que, há muitos anos, atua por meio do terrorismo, mas também da corrupção. Penso que o país tem sido muito generoso com o ELN e abriu as portas para uma possível negociação de paz. Terei essas portas abertas por um certo tempo. Eles vão alongar o tempo para se fortalecer militarmente. Quero que entendam que não conseguirão nenhum benefício adicional. Para as dissidências das Farc, as portas estão fechadas. Eles tomaram uma decisão, a de abandonar o processo de paz. Eu os considero como delinquentes, assim como o Clã do Golfo. Elas são organizações com estrutura militar, mas com objetivo criminoso e de narcotráfico. Nós as enfrentaremos com o peso da lei, mas também teremos uma política de descriminalização da droga. Temos que acabar com esse negócio, com os lucros que lhes dão poder e lhes permitem comprar armas. Creio que essa política terá que ser discutida em âmbito regional. Nesse sentido, o Brasil será muito importante nessa negociação. Também teremos que fazer isso com os EUA, de modo que, em nosso continente, a droga nada represente em termos econômicos e possamos desmantelar essas organizações criminosas. 

A Colômbia conseguiu alcançar a paz com a assinatura do acordo das Farc? Ou ela ainda é uma meta?

A paz da Colômbia não é a assinatura de um papel. É um projeto de vida. É uma construção geracional. Estamos consolidando esse projeto entre todos os colombianos. Temos instituições que nos enquadram nesse processo, como a JEP (Jurisdição Especial para a Paz) e a Comissão da Verdade. Obviamente, temos que fortalecer o processo e garantir a vida de desmobilizados que estão sendo assassinados por forças obscuras. Precisamos de reforçar o processo de paz, com a implementação e a aceleração dessa implementação. 

Como a senhora pretende trabalhar a questão da compensação financeira para familiares e ex-reféns das Farc?

A reparação das famílias vitimadas pelas Farc tem que ser feita pela perseguição às redes criminosas do narcotráfico e pela constituição de um fundo proveninente dessas entidades. Isso permitirá reparar as vítimas, por meio de processos judiciais, por meio dos quais a Justiça analisará caso a caso e avaliará o dano feito a cada uma das vítimas. 

A senhora está disposta a negociar apoio dos integrantes das Farc no Congresso ou pretende se distanciar do partido criado pela guerrilha?

Meu governo buscará uma governabilidade de outro tipo. Nós não vamos nos reger pelas ideologias. Proponho uma moratória de um ano a esses enfrentamentos ideológicos. A ideia é me aproximar de todos os partidos, de esquerda, de direita, de centro. O que os aproximará do governo será a vontade de lutar contra a corrupção. Nesses partidos, haverá aqueles que se sentem cômodos em lutar contra a corrupção. Mas haverá outros membros corruptos desses partidos que se colocarão contra as reformas que faremos. Isso permitirá ao país ver claramente quem está a favor e quem está contra a corrupção. 

Quais suas prioridades, caso seja eleita presidente da Colômbia?

Como primeira mulher eleita à Presidência da Colômbia, em primeiro lugar, acabarei com a corrupção. Essa é uma tarefa que incumbe às mulheres, pois somos as primeiras vítimas da corrupção. Em segundo lugar, acabar com a fome. A FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) advertiu que, no sistema atual, a corrupção que impera no país faz com que sete milhões de colombianos estejam em risco de enfrentar uma fome em massa. Isso é uma prioridade para o meu governo. Depois, vem a segurança. Os colombianos têm medo de sair de casa. Há gangues em todas as cidades. Em nossas fronteiras, habita o crime organizado. Membros das Farc e dissidências e da ELN se escondem na fronteira venezuelana para ingressarem em nosso território, a fim de perturbarem a ordem pública e dinamitar o nosso direito à paz. Nós somos uma opção verde, e quero que a Colômbia seja o primeiro país verde (ecológico) da região. Um desafio que penso caberia ao Brasil, ante a dimensão da Amazônia. Vocês deixaram passar essa oportunidade de liderança e a Colômbia a tomará.

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