Ucrânia, Síria, Líbia, Sudão, República Centro-Africana, Mali... a Rússia tem mostrado um papel protagonista no Conselho de Segurança da ONU, tanto em grandes como em pequenos temas, e em um contexto de aparente passividade dos Estados Unidos.
Paradoxalmente, Moscou tem pouca influência no panorama econômico mundial ou em sua contribuição financeira à Organização das Nações Unidas, muito abaixo da de Estados Unidos, União Europeia e China.
"A maior força da Rússia é que ela não tem vergonha de chutar o tabuleiro diplomático da ONU quando quer", disse Richard Gowan, especialista da ONU, do centro de reflexão International Crisis Group.
"Ao contrário da China, que evita sempre que for possível se meter em grandes disputas em Nova York, a Rússia usa seu poder de veto no Conselho de Segurança mesmo que isso ofenda a maioria dos outros membros", acrescentou o especialista em declarações à AFP.
Nos últimos meses, os russos muitas vezes se destacaram ao orientar discussões ou negociações em seu benefício.
Contudo, Bertrand Badie, professor de relações internacionais em Paris, considera que "a Rússia sofre com um rápido e brutal déficit de poder que torna incerto o seu jogo internacional", quando o "equilíbrio" da Guerra Fria "desapareceu em favor de uma forte assimetria".
Apesar de Moscou não ter conseguido evitar a realização de uma reunião do Conselho de Segurança sobre a crise ucraniana na segunda-feira, já que dez dos 15 membros votaram a favor, não houve uma frente unificada contra a Rússia e sua guerra de palavras com os Estados Unidos marcou a recorrente paralisia da organização responsável pela paz e segurança mundiais.
Em dezembro, a Rússia vetou uma resolução que estabelecia pela primeira vez um vínculo entre segurança internacional e aquecimento global. A China, por outro lado, optou pela abstenção.
Na segunda-feira, a ameaça de um veto russo sobre o expediente líbio levou a ONU a prolongar por apenas três meses sua missão em Trípoli, incluindo uma exigência russa de substituir em breve o enviado americano da ONU.
Estratégia 'perturbadora' para o Ocidente
Os russos "não se importam" em estar isolados, diz um diplomata.
O uso do veto por parte da Rússia não é novo. No caso do conflito na Síria, Moscou o utilizou umas 15 vezes desde 2011.
Ademais, surpreende o papel central da Rússia em uma série de questões, entre elas algumas mais periféricas. Desde agosto, Moscou bloqueia o grupo de especialistas que monitora o embargo de armas na República Centro-Africana com o argumento de que a nacionalidade dos mesmos não lhes permite ser imparciais.
A intervenção da Rússia em todas as partes, tanto diplomática como militarmente, com mercenários do grupo Wagner na Ucrânia ou na África (Líbia, República Centro-Africana, Mali, Moçambique, etc.) revela uma estratégia "ideológica", "muito política" e "perturbadora", afirmam diversos embaixadores ocidentais, sob condição de anonimato.
Não obstante, Moscou nega buscar permanentemente a confrontação no cenário internacional ou nas negociações no âmbito do Conselho de Segurança.
"Gostaríamos de cooperar com os Estados Unidos em uma gama muito mais ampla de coisas", disse o embaixador russo na ONU, Vasily Nebenzya, em uma coletiva de imprensa na terça-feira.
"Nós não escolhemos restringir a cooperação apenas a áreas em que temos interesses comuns, ou nas quais os Estados Unidos têm seus próprios interesses", acrescentou.
Nebenzya, que assume em fevereiro a presidência rotativa do Conselho de Segurança, algo que lhe permite controlar a agenda, elogiou os expedientes nos quais os dois países trabalham juntos, como Irã e Afeganistão.
Ao contrário de Moscou, os Estados Unidos mostram pouca iniciativa na ONU para contrapor o poder russo.
Segundo Bertrand Badie, os americanos "paradoxalmente têm muito interesse em tocar a mesma partitura" que a Rússia, mesmo quando "pode ser perigoso executar uma partitura obsoleta" da Guerra Fria.
Depois de "uma série de revezes importante" desde a queda do Muro de Berlim em 1989 - Somália, Iraque, Afeganistão, Síria, Irã, Venezuela, China, etc. -, os Estados Unidos "necessitam recuperar sua credibilidade como superpotência, ou inclusive hiperpotência", e, diante de uma Rússia com "meios limitados", procuram "mostrar que Washington ainda têm músculos", opina o especialista.
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