Ucrânia

Putin diz que EUA usam Ucrânia para arrastar Moscou a um conflito armado

Um dia depois de a Casa Branca anunciar a preparação de sanções contra a elite russa e o ciclo íntimo do Kremlin, líder russo parte para ataque contra Washington

Ao receber em Moscou o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, partiu para a ofensiva contra os Estados Unidos e o Ocidente. Um dia depois de a Casa Branca anunciar a preparação de sanções contra a elite russa e o ciclo íntimo do Kremlin, Putin acusou Washington de usar a Ucrânia como um "instrumento" contra Moscou. "O principal objetivo dos Estados Unidos é conter a Rússia, e a Ucrânia é seu instrumento para nos arrastar para um conflito armado, e nos atingir com as mais duras sanções", declarou. "Espero que, ao final, encontremos uma solução, apesar de não ser fácil."

Ainda segundo o líder russo, os Estados Unidos, aparentemente, não estão preocupados com a segurança da Ucrânia."Sua principal tarefa é conter o desenvolvimento da Rússia. A Ucrânia é uma ferramenta para atingirem essa meta", acrescentou Putin.

Em um gesto de forte simbolismo político, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, desembarcou, ontem, em Kiev, capital da Ucrânia, e fez um apelo a Putin. Ele afirmou ser "vital" que a Rússia dê um "passo atrás" e escolha o caminho da "diplomacia". Em uma entrevista coletiva ao lado do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, Johnson advertiu sobre o "perigo claro" e "iminente" de uma intervenção militar russa na ex-república soviética.

O chefe de governo britânico advertiu que a Ucrânia retaliará uma agressão e previu um desastre militar e humanitário. "Vemos grande quantidade de tropas concentradas, vemos preparativos para todo tipo de operações, que são coerentes com uma campanha militar iminente. (...) Há 200 mil homens e mulheres armados na Ucrânia. Eles apresentarão uma resistência muito feroz e sangrenta", alertou. 

Em conversa por telefone, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, pediu ao ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, "uma desescalada imediata e a retirada de tropas e equipamentos das fronteiras com a Ucrânia". O chefe da diplomacia do governo Joe Biden alertou que, caso os 100 mil soldados russos estacionados na fronteira ucraniana invadam o país vizinho, o Ocidente reagirá com sanções "rápidas e severas".

Saiba Mais

Retórica soviética

De acordo com Petro Burkovskyi, especialista da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv, em Kiev, a narrativa usada por Putin de que a Ucrânia é uma "ferramenta do Ocidente contra a Rússia" foi inventada em 2014. "Isso começou quando o Kremlin fracassou em capturar todas as regiões do leste e do oeste que ele pretendia. A mensagem relativamente nova é a de que, depois de se unir à Otan, a Ucrânia tentará reconquistar a Crimeia com a ajuda dos aliados e de novos armamentos. Trata-se da mesma retórica que a liderança da antiga União Soviética usava para culpar a República Federal da Alemanha de querer recontrolar a República Popular da Alemanha. Os soviéticos controlaram parte da Alemanha entre 1945 e 1990", explicou ao Correio. 

Burkovskyi acredita que o discurso do presidente russo é um sinal de que ele não recuará. "Apesar disso, sua posição é tão irrelevante para todos os países da Europa, para a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e para os Estados-membros da União Europeia que ela pode apenas consolidar ainda mais as políticas anti-Rússia", afirmou. "Putin mostra que está desesperadamente buscando uma desculpa para começar a guerra e para expressar a fraqueza entre membros da Otan, sem muito sucesso."

O ucraniano Maksym Khylko — diretor do Programa de Estudos Russos e Bielorrussos do Conselho de Política Externa Prisma Ucraniano, em Kiev — concorda que Putin utiliza "acusações falsas" contra a Ucrânia e o Ocidente como uma "desculpa" para forjar uma escalada militar. "Não necessariamente uma invasão total, mas uma ação mais pontual e localizada, mas muito dolorosa e com pesadas baixas", disse à reportagem. 

Segundo Khylko, Putin tradicionalmente tem acusado o Ocidente de ignorar os interesses de Moscou. O estudioso avalia que o Kremlin e as cúpulas militar e de segurança mantêm a mentalidade da Guerra Fria. "Eles querem que as nações do Ocidente reconheçam os países vizinhos da Rússia como parte da esfera de influência de Moscou, algo que consideramos inaceitável no século 21", avalia.

Putin tem dado reiteradas declarações de que o Ocidente busca transformar a Ucrânia em um projeto "anti-Rússia". "Mas, na verdade, é a política agressiva de Putin que forçou os cidadãos ucranianos a pedirem o apoio do Ocidente para se defenderem da Rússia. Em 2014, tropas russas ocuparam uma parte do meu país quando a Ucrânia era um país neutro e nem sequer almejava a adesão à Otan", acrescentou Khylko.

Eu acho...

"Putin se 'esquece' de que a Otan é uma aliança defensiva, que não ataca outros Estados. A exceção foi a ex-Iugoslávia, em 1999, quando Slobodan Milosevic fez uma limpeza étnica no Kosovo contra albaneses. Em 2021, a Ucrânia sediou a cúpula da Plataforma Crimeia, novo fórum que uniu países europeus. As conclusões foram de que a Rússia conquistou a Crimeia violando a lei internacional; e de que a mesma será retomada com pressão diplomática e econômica sobre a Rússia."

Petro Burkovskyi, especialista da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv, em Kiev

"Putin quer forçar a Ucrânia a concordar a retornar à esfera de influência de Moscou. Mas os ucranianos escolheram o caminho da democracia. Eles querem ser parte da União Europeia e da Otan, não da Rússia autocrata. Sanções ocidentais, bem como o desejo dos militares ucranianos de construir forte resistência, poderiam impedir a escalada russa."

Maksym Khylko, diretor do Programa de Estudos Russos e Bielorrussos do Conselho de Política Externa Prisma Ucraniano, em Kiev