Enquanto uma reunião pública do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) terminava em impasse e em troca de farpas entre russos e norte-americanos, os Estados Unidos anunciavam, ontem, a finalização de um "pacote de sanções específicas contra membros da elite" de Moscou "e seus familiares". Jen Psaki, porta-voz da Casa Branca, declarou que Washington identificou "indivíduos que pertencem ou estão próximos ao círculo íntimo do Kremlin".
Ela acrescentou que essas pessoas são "alvos particularmente vulneráveis" das sanções por causa dos laços financeiros estreitos com países ocidentais. "Este é apenas um elemento, entre outros, em nosso desejo de atacar a Rússia de todos os ângulos" no caso de uma invasão à Ucrânia, declarou a porta-voz. Não ficou claro se o presidente russo, Vladimir Putin, está contemplado na lista de potenciais sancionados. Os Estados Unidos têm ameaçado interromper o acesso dos bancos russos às transações financeiras em dólar, além de proibir o comércio de tecnologia norte-americana com a Rússia.
As medidas punitivas somente seriam aplicadas em caso de invasão à Ucrânia. A Rússia concentra mais de 100 mil soldados na fronteira com a ex-república soviética. O foco da crise está na intenção de Kiev de se tornar país-membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), bem como na expansão da aliança militar ocidental rumo ao Leste da Europa.
A agência internacional de notícias France-Presse informou, ontem, que o Reino Unido reforçará o arsenal de possíveis sanções contra indivíduos e companhias russas. O país é um dos destinos favoritos dos oligarcas da Rússia para investimentos.
Durante a reunião de ontem do Conselho de Segurança, o embaixador da Rússia na ONU, Vasily Nebenzya, acusou os EUA de criarem "histeria" e disse que os ucranianos sofreram uma "lavagem cerebral" com a "russofobia" do Ocidente. "As discussões sobre uma ameaça de guerra são provocativas em si mesmas. Eles estão praticamente pedindo por isso, eles querem que isso aconteça", advertiu o diplomata russo.
A embaixadora dos EUA, Linda Thomas-Greenfield, anunciou que Putin colocará mais 30 mil soldados nas imediações da Ucrânia, perto da fronteira entre Bielorrússia e Rússia. Washington acredita que a nova mobilização de tropas ocorrerá nos primeiros dias de fevereiro.
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"Tardio"
Para Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla (Ucrânia), a finalização do primeiro pacote de sanções é "um passo correto, porém, tardio". "Nós, ucranianos, temos pedido isso há muito tempo. Normalmente, na diplomacia, o líder de uma nação não costuma ser incluído nas sanções, pois a prioridade é o diálogo. Nos últimos anos, Putin não tem mudado o rumo de sua política. A ameaça de sanções pessoais contra Putin e seu entorno é realmente importante", afirmou ao Correio. "O meu povo apoia essa abordagem, apesar de acreditar que ela deveria ter sido adotada bem antes."
Marco Antônio de Meneses Silva — coordenador do curso de relações internacionais do Centro Universitário Iesb — disse que sanções e embargos são mecanismos de pressão habituais empregados por Washington. Ele admite que a expansão da Otan em direção ao Leste Europeu traz profundas preocupações à Rússia. "Houve tratados históricos, por meio dos quais Moscou buscou manter suas fronteiras livres de regimes hostis, criando buffer zones (zonas-tampão). Isso ocorreu nos acordos históricos das Conferências de Ialta e Potsdam, com a Segunda Guerra Mundial em andamento, e na década de 1990, com entendimentos firmados pelos presidentes Bill Clinton e Boris Yeltsin. Com a incorporação de países à Otan, a percepção russa é a de que o antagonismo tem sido exercido pelos EUA e pelo Ocidente", analisa.
Silva entende que a busca pelo isolamento da Rússia trará consequências imprevistas. "Moscou certamente procurará estreitar ainda mais suas relações com a China, marcadas pela desconfiança, mas também por um forte pragmatismo", observou o professor do Iesb.
Diplomacia
Ontem, Putin e o presidente da França, Emmanuel Macron, conversaram por telefone pela segunda vez em 96 horas. Em comunicado, o Kremlin divulgou que "a troca de opiniões continuou sobre a situação em torno da Ucrânia e questões relacionadas a fornecer à Rússia garantias de segurança de longo prazo e estabelecidas legalmente".
Por sua vez, o Palácio do Eliseu — sede do Executivo francês — explicou que o intercâmbio de ontem se inseriu no contexto da continuação das conversas de Macron com Putin e com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, em 28 de janeiro. Paris considera que os tentativas de diplomacia fazem parte da lógica de "desescalada".
Hoje, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, e o chanceler russo, Serguei Lavrov, conversarão por telefone. Porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, disse que "não se planejou nenhuma reunião cara a cara". No domingo, Blinken também voltou a falar com o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos Alberto Franco França.
Na contramão da diplomacia, a Polônia ofereceu à Ucrânia dezenas de milhares de cartuchos de munição antes da visita a Kiev do premiê, Mateusz Morawiecki. "Foi tomada a decisão de enviar munições defensivas a Ucrânia", afirmou Pawel Soloch, chefe do escritório nacional de segurança.