Crise na europa

Guerra na Ucrânia: como invasão fez Suíça abandonar neutralidade e adotar sanções contra Rússia

Entre as medidas seguidas pelos suíços estão o congelamento imediato dos fundos de quatro empresas e e mais de 360 russos, incluindo as contas do presidente Vladimir Putin e do ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov

BBC
Shin Suzuki - Da BBC News Brasil em São Paulo
postado em 28/02/2022 22:29 / atualizado em 28/02/2022 22:29

Em uma decisão surpreendente por sua história, o governo suíço deixou de lado a tradicional posição de neutralidade e anunciou que vai adotar todas as sanções estipuladas pela União Europeia contra a Rússia.

A Suíça não faz parte do bloco europeu. Apenas em 2002 tornou-se membro da Organização das Nações Unidas (ONU) - e pediu formalmente que a neutralidade constasse de sua adesão.

Entre as medidas seguidas pelos suíços estão o congelamento imediato dos fundos de quatro empresas e e mais de 360 russos, incluindo as contas do presidente Vladimir Putin e do ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov.

Lavrov, por sinal, participaria nesta terça (01/03) de reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra, mas está impedido de entrar no território suíço como consequência das sanções.

As medidas têm peso significativo. Importantes empresas de energia e de commodities da Rússia têm escritórios na Suíça.

Depósitos russos somam US$ 11 bilhões em instituições financeiras suíças, de acordo com o Banco de Compensações Internacionais. É quase um terço de todos os depósitos internacionais (US$ 36 bilhões) de origem russa.

O presidente suíço Ignazio Cassis, ao justificar as medidas, declarou que a ofensiva na Ucrânia é um ataque inaceitável à democracia e à liberdade.

Em comunicado oficial, o governo disse que levou em consideração sua posição de neutralidade e suas políticas de paz ao decidir pelas sanções.

"Isso reafirmou o desejo da Suíça de contribuir ativamente para uma solução ao conflito através de seus bons ofícios [serviços]."

Pressões dentro e fora

Stefanie Walter, professora de relações internacionais e de economia política na Universidade de Zurique, disse que pressões domésticas e internacionais alteraram o posicionamento da Suíça.

"O governo havia mencionado a neutralidade para argumentar que implementar sanções mais amplas reduziria a habilidade da Suíça para prover seus 'bons serviços' na resolução de conflitos", diz Walter.

"Mas, nos últimos dias, tanto a pressão interna quanto vinda de fora fez com que fossem adotadas novas sanções, já que as medidas anunciadas pela União Europeia cresciam de forma substancial."

"No plano doméstico, essas demandas foram expressas por todos os partidos políticos, com exceção de um, e em grandes manifestações de rua. Internacionalmente, houve declarações não muito comuns e bastante diretas dos EUA e de atores políticos europeus para que a Suíça seguisse esse caminho", afirma.

Ela diz que não é a primeira vez que o país adota medidas de punição contra outros países (Belarus e Síria são exemplos), mas que as atuais têm um peso muito maior.

Para Carlos Gustavo Poggio, professor de relações internacionais da FAAP, a mudança de postura suíça entra como um dos "diversos marcos importantes que têm ocorrido ao longo dessa guerra. Por exemplo, houve uma mudança importante na política externa alemã e acho que isso entrou no cálculo da Suíça".

Poggio afirma que as reações à guerra estão mostrando que as forças do mundo vão se reorganizar.

"Há a ideia de que estamos vendo o nascimento de uma nova ordem mundial. A gente não sabe exatamente os contornos dessa ordem, mas há uma certa consolidação dos blocos. Países ocidentais contra a Rússia e não está claro ainda qual é o papel da China."

Stefanie Walter diz que especialistas em lei internacional consideram que as sanções não violam as obrigações da Suíça como um Estado neutro.

"A neutralidade suíça não significa que a Suíça é neutra quando há violações de princípios básicos da lei internacional, como a integridade territorial dos estados, ou grandes violações dos direitos humanos."

Elite russa se voltará contra Putin?

Para a professora da Universidade de Zurique, a forte ligação econômica e financeira da elite russa com a Suíça torna difícil contornar as sanções.

"Mas se isso vai levar a elite russa a abandonar Putin é muito difícil de prever agora. As sanções são certamente dolorosas e restringem os ganhos que Putin pode distribuir à elite. Mas em um estado crescentemente autoritário, protestar também é perigoso. Muito vai depender de quais seriam as alternativas [para o lugar de] Putin e quais são as chances de transição para um novo regime favorável a essas elites."

Walter diz que o posicionamento da Suíça na atual crise também mostra que o país está disposto a restringir os ativos de seus clientes quando sérias violações da lei internacional acontecem.

"Dito isso, para a maioria da elite mundial, os bancos suíços continuarão um destino atrativo."Em uma decisão surpreendente por sua história, o governo suíço deixou de lado a tradicional posição de neutralidade e anunciou que vai adotar todas as sanções estipuladas pela União Europeia contra a Rússia.


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