Depois de voltar atrás e anunciar nas redes sociais o resgate dos cerca de 500 brasileiros que vivem na Ucrânia, o presidente Jair Bolsonaro (PL) declarou, ontem, que a posição da diplomacia brasileira em relação à guerra no Leste Europeu "sempre foi clara". No entanto, o chefe do Executivo vem, desde o início do mandato, dando sinais trocados nessa área, que podem custar caro ao país, de acordo com especialistas.
"A posição do Brasil em defesa da soberania, da auto-determinação e da integridade territorial dos Estados sempre foi clara e está sendo comunicada através dos canais adequados para isso, como o Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), e por meio de pronunciamentos oficiais", escreveu Bolsonaro. Em outra postagem, disse que o governo retirou cerca de 50 brasileiros da Ucrânia para países vizinhos e que deixou de prontidão aviões da FAB para o resgate.
Na sexta-feira, durante a reunião do Conselho de Segurança da ONU, o embaixador do Brasil Ronaldo Costa Filho foi mais duro do que Bolsonaro costuma ser em relação à invasão da Ucrânia. Ao lado de outros 10 países, condenou a Rússia e afirmou que o Brasil está "profundamente preocupado" com o descumprimento dos russos da Carta da ONU. Contudo, no mesmo dia, o Brasil não assinou uma carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) criticando a operação militar russa rumo a Kiev, de acordo com informações do jornal O Globo, assim como Argentina, Bolívia, Nicarágua e Cuba. O governo brasileiro também não apoiou comunicado semelhante do Mercosul. Procurado, o Itamaraty não comentou o assunto até o fechamento desta edição.
Na semana passada, quando se encontrou com o presidente russo, Vladimir Putin, em Moscou, Bolsonaro chamou o ditador russo de "amigo" e disse que ambos compartilham de "valores comuns como a crença em Deus e a defesa da família". Em 2021, a Rússia comprou apenas 0,6% das exportações brasileiras. Fontes do governo brasileiro evitam criticar as declarações constrangedoras de Bolsonaro no meio desta guerra e alegam que a guerra do Leste Europeu é "interna", dentro do território russo. No Ministério da Economia, por exemplo, a palavra de ordem é se preocupar mais com a briga eleitoral do que com a crise geopolítica, mas os técnicos reconhecem que a atividade econômica, neste ano, poderá ter problemas se o conflito no Leste Europeu for prolongado.
O cientista político David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), não viu com bons olhos os sinais trocados do governo na ONU e na OEA. Segundo ele, o fato de o Brasil demorar para criticar a Rússia pode custar caro ao país, que, desde o começo da gestão Bolsonaro, "perdeu o respeito e o reconhecimento internacional que tinha na área diplomática" e, agora, é visto como pária global. "A diplomacia é equivocada e contra todas as tradições brasileiras", frisou.
Para o especialista em relações internacionais e CEO da BMJ Consultores Associados, Wagner Parente, o Brasil, provavelmente, não participou da elaboração da carta da OEA, e, por isso, preferiu se abster. "Creio que a manifestação do Brasil foi dada no Conselho de Segurança e o governo brasileiro não entende como pertinente nada mais do que isso neste momento", disse.
Fleischer ressaltou que Bolsonaro tem deixado o chanceler Carlos França em uma saia justa com importantes parceiros comerciais. França foi enquadrado por embaixadores da União Europeia na sexta-feira, e, no mesmo dia, recebeu um telefonema do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, "que foi bastante duro" com o ministro. Representantes de países das Américas e do Japão também cobraram uma condenação veemente" da Rússia do governo brasileiro.
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