O jogador brasileiro Lucas Rangel, do Vorskla Poltava, conheceu o desespero logo ao acordar. Primeiro, o telefone estava cheio de ligações de amigos e, quando levantou para lavar o rosto, a sirene de Poltava começou a apitar.
Era o início da invasão da Rússia à Ucrânia, que trazia um só objetivo a Lucas: precisava sair do país imediatamente.
As coisas ficaram mais difíceis, porém, quando ele resolveu ir à rua para se preparar para a viagem. O trânsito estava apinhado de carros, todos com o mesmo objetivo, e os postos de gasolina dificultavam ainda mais para fazer uma viagem longa: só permitiam que fossem abastecidos 20 litros de gasolina, o que seria insuficiente.
"O clima na cidade é de pânico geral. As pessoas estão correndo nos supermercados, que estão fechando, alguns poucos estão abertos. Gasolina, só podemos abastecer 20 litros por carro. Com 20 litros não dá para ir longe. Os bancos estão dando somente 200 dólares por família porque todos os preços aqui aumentaram de uma hora para outra, o que é um escândalo. Clima de tensão máxima", narrou Lucas à BBC News Brasil.
Assim como os outros jogadores brasileiros na mesma situação, a exemplo de Talles Brener, do Rukh Vynnyky, Lucas procurou a embaixada brasileira para saber o que poderia ser feito para que ficasse em segurança. A resposta não veio de forma animadora e, até agora, ele não tem um direcionamento real para o problema.
"Eu liguei para a embaixada brasileira em Kiev e eles falaram que estão tendo muitas ligações e pediram para termos paciência e se inscrever no site, que por lá eles dariam a informação. Mas até agora só mandam ficar dentro de casa, que é o lugar mais seguro, mas neste momento não tem lugar seguro. Tudo pode acontecer. É desesperador. É a primeira vez que eu passo por isso e espero que seja a última. Não desejo para ninguém", contou.
Lucas está em Poltava com três amigos e a esposa de um deles, todos jogadores de futebol. Como já é noite na Ucrânia, todos decidiram que ficariam no apartamento até que o dia clareasse, para enfim correrem atrás de um transporte para saírem do país. O único alento para o brasileiro é que sua família está no Brasil, longe de tudo isso.
"No momento, não adianta eu mentir, estou preocupado e aflito. Sempre tento manter a cabeça no lugar para tentar achar a melhor solução, a melhor saída. Meu pensamento é um só: sair fora do país. Amanhã de manhã, meus amigos e eu vamos pegar dois carros e tentar sair fora do país. O trânsito está muito complicado, mas não adianta esperar sentado. Vamos tentar sair fora."
Durante a conversa com a BBC News Brasil, o jogador, consternado com a situação, salientou que Poltava "ainda" não havia sido bombardeada.
O apelo de jogadores em hotel
Na manhã de quinta, jogadores brasileiros do Shakhtar Donetsk e do Dínamo de Kiev, dois dos maiores clubes da Ucrânia, gravaram um vídeo pedindo socorro para deixar o país. Além dos jogadores, estão familiares, como mulheres e filhos, no mesmo hotel.
"Estamos todos reunidos aqui, com nossas famílias. […] A gente está aqui pedindo a ajuda de vocês para promover esse vídeo devido à falta de combustível que existe na cidade, fronteira fechada, espaço aéreo fechado. A gente não tem como sair. A gente pede muito apoio ao governo do Brasil, que possa nos ajudar", diz um dos jogadores.
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"A gente realmente não tem o que fazer. As informações não chegam até nós, a não ser as do Brasil. A gente faz um apelo para vocês, até por causa das crianças. Cada um saiu correndo da sua casa correndo para o hotel, cada um com uma peça de roupa. Não sabemos se vai ter comida", complementou uma das esposas.
Um dos jogadores que está no hotel, que preferiu não se identificar por questões de segurança, afirmou que acordou às 3h da manhã com barulhos de bombas em Kiev. Segundo ele, não havia grande alarme sobre a possibilidade de invasão.
O clube, inclusive, afirmava que não haveria invasão e que, se houvesse, seria somente na região de fronteira. Agora, os jogadores cobram dos clubes um posicionamento e uma solução para sair do país.
A Embaixada do Brasil em Kiev anunciou que permanece aberta e "dedicada, com prioridade, desde o agravamento das tensões, à proteção dos cerca de 500 cidadãos brasileiros na Ucrânia".
"Solicita-se aos cidadãos brasileiros em território ucraniano, em particular aos que se encontrem no leste do país e outras regiões em condições de conflito, que mantenham contato diário com a Embaixada. Caso necessitem de auxílio para deixar a Ucrânia, devem seguir as orientações da Embaixada e, no caso dos residentes no leste, deslocar-se para Kiev assim que as condições de segurança o permitam", informou o Ministério das Relações Exteriores.
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