TENSÃO NO LESTE EUROPEU

Em apoio à Rússia, China acusa EUA de adotar postura "imoral e irresponsável"

Pequim acusa a Casa Branca de adotar uma postura "imoral e irresponsável", após Washington anunciar punições contra Moscou devido ao reconhecimento de duas repúblicas separatistas na Ucrânia. Kiev declara estado de emergência nacional

Correio Braziliense
postado em 24/02/2022 06:00
 (crédito:  AFP)
(crédito: AFP)

Alinhada à Rússia, com a qual celebrou recentemente laços de amizade sem limites, a China fez, ontem, duras críticas ao papel de Washington na crise ucraniana, acusando o governo Joe Biden de alimentar a tensão no leste europeu após anunciar punições contra Moscou. "A questão-chave é saber qual papel os Estados Unidos desempenham. Alguém que joga lenha na fogueira e acusa os outros assume uma postura imoral e irresponsável", disparou Hua Chunying, porta-voz do ministério chinês das Relações Exteriores.

O medo de uma escalada militar às portas da União Europeia (UE) é cada vez maior. Diante da ameaça de uma invasão russa, o Parlamento ucraniano aprovou, por ampla maioria, a declaração do estado de emergência nacional. A medida, proposta pelo presidente Volodymyr Zelensky, foi votada horas depois de Moscou iniciar a evacuação de seu pessoal diplomático em Kiev e de um novo alerta americano sobre a iminência de uma ofensiva geral da Rússia contra a ex-república soviética.

Nos últimos dois dias, Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido e outros países adotaram medidas contra Moscou, dirigidas, principalmente, a bancos, oligarcas e deputados, em resposta ao reconhecimento da independência de Donetsk e Lugansk, regiões separatistas do leste ucraniano. A mais contundente foi a decisão de Berlim de congelar a certificação do gasoduto Nord Stream 2. Já concluído, ele aumentaria o fluxo de energia da Rússia para a Alemanha.

Ontem, Joe Biden anunciou ações também contra a empresa responsável por operar o gasoduto. A Rússia, por sua vez, prometeu uma reação vigorosa à ofensiva americana. "Que não haja qualquer dúvida: haverá uma resposta forte a essas sanções, não necessariamente simétricas, mas bem calculadas e dolorosas para os Estados Unidos", declarou a chancelaria russa, em um comunicado.

Embora ainda se diga aberto a negociações, o presidente russo, Vladimir Putin, prometeu que não cederá em suas exigências na crise. "Os interesses e a segurança de nossos cidadãos não são negociáveis para nós", declarou o líder do Kremlin, em um breve discurso exibido na televisão por ocasião do Dia do Defensor da Pátria. "Nosso país está sempre aberto a um diálogo direto e honesto para encontrar soluções diplomáticas aos problemas mais complexos", afirmou.

Desdobramentos

Com o apoio a Moscou, a diplomacia chinesa foi, ontem, na direção contrária da moderação demonstrada por Pequim na segunda-feira, quando pediu às partes que dessem "sinais de contenção". Hua Chunying também criticou os americanos e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) por instalarem armas ofensivas perto da Rússia.

"Os Estados Unidos não param de vender armas para a Ucrânia, aumentando a tensão e criando pânico", criticou, indagando, em seguida, se "eles já pensaram nas consequências de encurralar uma grande potência". Respondendo a uma pergunta sobre a possibilidade de a China impor punições à Rússia, Hua acrescentou que "elas nunca foram um meio eficaz para resolver problemas".

As potências ocidentais avaliam que a Rússia, que concentrou em torno de 150 mil militares em sua fronteira com a Ucrânia, pode lançar a qualquer momento uma ofensiva militar contra todo o país. Um alto funcionário do governo dos EUA assinalou, ontem, que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, está "tão preparado quanto é possível estar" para uma invasão em larga escala, com "cerca de 100%" das forças militares necessárias já em posição.

Com a escalada das tensões, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, enfatizou que o momento é de grande perigo para o mundo. Durante a abertura da Assembleia Geral, ele assinalou que o reconhecimento da independência de Donetsk e Lugansk viola a integridade territorial e soberania do país.

No front, a retomada dos combates entre o Exército e os separatistas continuou ontem. Um soldado ucraniano morreu em um bombardeio e outro ficou ferido, segundo o Exército. "Começaram a atirar com mais força", disse Dmitri Maksimenko, um minerador de Krasnogorivka, uma cidade próxima à linha de frente ucraniana. Os separatistas de Lugansk anunciaram por sua vez a morte de um combatente e de um civil durante a noite.

O chanceler da Ucrânia, Dmytro Kuleba, pediu às Nações Unidas medidas "concretas e rápidas" para conter a situação. "O início de uma guerra em grande escala na Ucrânia será o fim da ordem mundial como a conhecemos", alertou, enfatizando: "Queremos a paz!"

Com o estado de emergência, as autoridades regionais ucranianas poderão reforçar as medidas de segurança, impondo, por exemplo, controles de identidade mais estritos. A medida vai vigorar em todo o território, com exceção das regiões separatistas de Donetsk e Lugansk. "A situação é difícil, mas permanece sob nosso controle", assegurou o secretário ucraniano de Segurança e Defesa, Oleksiy Danilov.

Como precaução a uma invasão, o governo ucraniano mobilizou os reservistas de 18 a 60 anos e pediu aos cidadãos que estão na Rússia — cerca de três milhões de pessoas, segundo algumas estimativas — para saírem do país "imediatamente".

Nesse contexto de tensão, o vice-primeiro-ministro ucraniano, Mykailo Fyodorov, informou que o país estava sofrendo um novo ataque cibernético em massa contra seus sites oficiais. Uma ofensiva em larga escala contra a infraestrutura estratégica da Ucrânia é um dos cenários mencionados como prenúncio de uma ofensiva militar.

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Papa pede moderação

O papa Francisco lamentou, ontem, a situação "cada vez mais preocupante" na Ucrânia, que põe a "paz de todos" em risco, em um momento em que aumenta o temor de uma escalada militar por parte da Rússia. "Peço a todas as partes envolvidas que se abstenham de realizar ações que possam provocar ainda mais sofrimento nos povos", ressaltou o pontífice, após sua audiência semanal. Francisco lançou um apelo "a todos os que têm responsabilidades políticas para que façam um sério exame de consciência diante de Deus, que é um Deus de paz, e não de guerra", assinalando que a Quarta-feira de Cinzas, início da Quaresma, será "um dia de jejum e de oração pela paz" na Ucrânia. "Que a Rainha da Paz salve o mundo da loucura
da guerra", pediu.

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