Rússia fala em recuo. EUA, em cautela

Presidente Vladimir Putin anuncia a "retirada parcial" de tropas da fronteira com a Ucrânia, mas Joe Biden e aliados pedem sinais de "uma desescalada verificável". Segundo o líder americano, há, ainda, uma "grande possibilidade" de ataque a Kiev

Correio Braziliense
postado em 16/02/2022 00:01
 (crédito:  AFP)
(crédito: AFP)

Depois de mais de uma semana de esforços diplomáticos para impedir uma investida militar russa em território ucraniano, surgem os primeiros "sinais positivos", na avaliação de líderes ocidentais, de uma desescalada da tensão. Ontem, Moscou anunciou a retirada parcial de soldados e tanques da fronteira com a Ucrânia — a estimativa é de que haja mais de 100 mil homens na região. Os Estados Unidos, por sua vez, informaram que "ainda não verificaram" nenhuma manobra nesse sentido e reiteraram a avaliação de que o ataque a Kiev segue sendo "uma grande possibilidade".

Em pronunciamento, o presidente americano, Joe Biden, disse que seus analistas consideram que tropas russas permanecem em uma posição considerada "muito ameaçadora", que torna "possível" uma invasão à Ucrânia a qualquer momento. Biden reiterou que EUA e aliados não têm intenção de acirrar ainda mais os ânimos e, em referência ao povo russo, disse que eles não são seus inimigos. "É preciso dar todas as oportunidades à diplomacia", enfatizou, lembrando, em seguida, que as "sanções estão prontas" e que "defenderá cada centímetro do território da Otan".

Também em tom de cautela e buscando sinais mais concretos do recuo anunciado por Moscou, o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, conversou, ontem, com o colega russo, Sergei Lavrov, e cobrou uma "desescalada verificável, confiável e significativa" na fronteira com a Ucrânia, segundo um comunicado do Departamento de Estado dos Estados Unidos. Na ligação, Blinken reafirmou a escolha por uma saída diplomática para a crise e lembrou que, em caso negativo, haverá uma "resposta transatlântica rápida, severa e unida".

Moscou segue negando a intenção de invadir a Ucrânia. O presidente russo confirmou a "retirada parcial" das tropas na fronteira, mas nem o Kremlin nem o Exército detalharam a magnitude da operação. Paralelamente, soldados seguem realizando manobras militares em Belarus, vizinha da Ucrânia. A promessa é de que essas atividades durem até o próximo domingo. Além disso, também ontem, o parlamento russo aprovou um pedido para que o presidente reconheça as autodeclaradas repúblicas Populares de Donetsk e Lughansk, no leste ucraniano, o que pode intensificar as tensões na região.

Putin confirmou o sinal de recuo, anunciado pelo Ministério da Defesa, antes de se encontrar com o chanceler alemão, Olaf Scholz. Criticado por demorar a adotar uma postura mais proativa na atual crise internacional, Sholz esteve, na última segunda-feira, com o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, e, ontem, com o líder russo. Na avaliação do alemão, há "bases de discussão suficientes" com a Rússia para que "as coisas evoluam positivamente". "O fato de sabermos, agora, que algumas tropas estão sendo retiradas é um bom sinal. Esperamos que outras sigam", disse Scholz, em entrevista coletiva, ao lado do presidente.

Putin e Scholz insistiram em querer um processo de negociações sobre as questões de segurança na Europa. Os países ocidentais e Moscou precisam chegar a um compromisso "sem abandonar seus princípios", disse o chanceler alemão.

As propostas dos EUA e da Otan incluem negociar acordos de desarmamento e fornecer medidas de construção de confiança — pontos condicionados ao distensionamento na relação com a Ucrânia.

O presidente russo se mostrou aberto a dialogar. "Estamos dispostos a seguir o caminho da negociação", respondeu, mas criticou a rejeição de suas principais exigências, as quais "infelizmente não receberam uma resposta construtiva". Entre as reivindicações, está a garantia de que a Aliança Atlântica nunca aceitará a Ucrânia ou qualquer outro país-membro da antiga União Soviética. Os ocidentais, porém, classificam essa demanda russa como inaceitável, mas propuseram um diálogo em outras questões, como a limitação do armamento.

"Otimismo prudente"

Pouco antes do encontro entre Putin e Scholz, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, manifestou seu "otimismo prudente" com o anúncio do recuo militar na fronteira com a Ucrânia e disse que esperava um "sinal de desescalada". Na mesma linha, os presidentes Emmanuel Macron, da França, e Joe Biden classificaram o anúncio como um "primeiro sinal promissor" e insistiram, em comunicado conjunto, na necessidade de "verificar" o início das operações. "As palavras são boas. Mas esperamos ações", enfatizou o chefe da diplomacia francesa, Jean-Yves Le Drian.

O governo ucraniano mantém o tom de cautela. O ministro das Relações Exteriores, Dmytro Kuleba, afirmou que só acreditará no que diz o Kremlin quando vir a retirada das tropas. "Temos uma regra: não acredite no que ouve, acredite no que vê (…) Quando virmos uma retirada, vamos acreditar em uma redução de forças", justificou a jornalistas.

Há ainda um embate no mundo digital. Ontem, Kiev denunciou que vários sites militares oficiais e os de dois grandes bancos estatais foram alvo de um ataque cibernético e acusou Moscou pelo crime. "Não se pode descartar que o agressor esteja recorrendo a truques sujos", afirmou o órgão de controle de comunicações ucraniano.

Desde a anexação da Crimeia, em 2014, o Exército ucraniano enfrenta separatistas pró-russos apoiados pela Rússia no leste, um conflito que já causou mais de 14 mil mortes e 1,5 milhão de deslocados. A concentração de mais de 120 mil soldados russos na fronteira e as manobras realizadas em vários pontos, inclusive em Belarus, a poucas horas de estrada de Kiev, alimentam temores de uma invasão iminente. Em outras ocasiões, Moscou anunciou a retirada das tropas, mas imagens de satélites tiradas em dias seguintes não confirmaram as operações.

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Em defesa de Navalny

Na visita a Moscou, o chanceler alemão também criticou as condenações ao líder opositor russo Alexei Navalny, réu em um novo julgamento iniciado, ontem, na Rússia. Segundo, Olaf Scholz o tratamento dado a Navalny é "incompatível com os princípios de um Estado de Direito". O opositor recebeu tratamento, na Alemanha, em 2020, após ser supostamente envenenado pelos serviços secretos russos. Foi detido no ano seguinte, quando retornava à Rússia. Navalny está, há mais de um ano preso, por acusações de fraude e, agora, pode ser condenado a 10 anos adicionais. No novo processo, os promotores acusam Navalny de ter desviado mais de US$ 4,7 milhões para as organizações que lidera.

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