UCRÂNIA

Exercícios militares russos agravam crise com a Ucrânia

Após dias de esforços diplomáticos, deslocamento dos exércitos russo e bielorrusso, em manobras que devem durar 10 dias, provoca troca de acusações entre países ocidentais e Moscou. Kiev denuncia "pressão psicológica" por parte do Kremlin

Correio Braziliense
postado em 11/02/2022 06:00
 (crédito:  AFP)
(crédito: AFP)

início de exercícios militares, sob a coordenação da Rússia, na fronteira da Bielorrússia com a Ucrânia, voltou a elevar a tensão na região, após dias de esforços diplomáticos para encerrar a crise. Embora já tivesse sido anunciado por Moscou, o deslocamento dos exércitos russo e bielorrusso foi imediatamente rechaçado pelo Ocidente e denunciado por Kiev como um meio de "pressão psicológica" do Kremlin, que desde novembro do ano passado concentrou mais de 100 mil soldados nas proximidades do território ucraniano.

O ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, afirmou que as manobras são "um gesto de grande violência". Por sua vez, o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Jens Stoltenberg, disse que os exercícios militares representam um "momento perigoso" para a segurança na Europa.

"Vamos defender e proteger todos os nossos aliados", disse Stoltenberg, em uma entrevista coletiva com o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson. O britânico insistiu que o Kremlin deve colaborar para a "desescalada da tensão" na região. "Este é o momento mais perigoso no que é a maior crise de segurança que a Europa enfrentou em décadas, e precisamos fazer a coisa certa. Penso que a combinação de sanções e determinação militar, além da diplomacia, é a correta."

Mudo e surdo

O chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, considerou "incompreensível" a preocupação dos países ocidentais com as manobras na Bielorrússia, previstas para durar 10 dias. "Ultimatos e ameaças não levam a lugar nenhum, mas muitos de nossos colegas ocidentais adoram essa forma (de comunicação)", declarou. Ele teve um encontro tenso, em Moscou, com a chanceler britânica, Liz Truss, que pediu a retirada das tropas russas da fronteira ucraniana.

Lavrov classificou o encontro com Truss — a primeira alta funcionária do governo britânico a visitar Moscou desde 2018 — de "conversa entre um surdo e um mudo". O chanceler considerou que a colega britânica não "ouviu" as explicações detalhadas da Rússia sobre suas preocupações relacionadas a uma possível ampliação da Otan.

"Tive a impressão de que nossos colegas britânicos ou não têm ideia das explicações dadas recentemente pelo presidente Vladimir Putin sobre a inexistência de intenções bélicas da parte de Moscou, ou as ignoram completamente", reagiu. "As manobras militares e a mobilização de forças russas em nosso próprio território despertam uma preocupação incompreensível e emoções muito fortes em nossos parceiros britânicos e outras autoridades ocidentais", acrescentou Lavrov.

Em Berlim, o chefe de governo alemão, Olaf Scholz, disse que Moscou não deve subestimar a "união e determinação" dos europeus. "Esperamos, agora, que a Rússia dê passos claros para reduzir a tensão atual", assinalou, após uma reunião com os líderes dos países bálticos, ex-repúblicas soviéticas que fazem fronteira com a Rússia e hoje são membros da Otan e da União Europeia.

Defesa

O Ministério da Defesa da Rússia anunciou que os exercícios militares prosseguirão até 20 de fevereiro em cinco campos militares, quatro bases aéreas e "vários pontos" da Bielorrússia, particularmente na região de Brest, na fronteira com a Ucrânia. "(As manobras) acontecem com o objetivo de se preparar para deter e repelir uma agressão estrangeira como parte de uma operação defensiva", assinalou.

Às vésperas do deslocamento, o Exército russo divulgou um vídeo que mostra sistemas antiaéreos S-400 apontando seus mísseis para o céu em um campo coberto de neve em Brest. Não foi revelado o número de militares envolvidos, mas, segundo países ocidentais, 30 mil soldados russos foram mobilizados.

O chefe do Estado-Maior dos EUA, general Mark Milley, disse que queria evitar "incidentes desagradáveis" no início das manobras militares, e conversou por telefone com o colega bielorrusso, general Victor Goulevitch.

O exército ucraniano iniciou esta semana exercícios em todo o território do país, incluindo o uso de drones de combates turcos e mísseis antitanques fornecidos por Reino Unido e Estados Unidos.

A Rússia é acusada de planejar uma nova operação militar contra a Ucrânia, após a anexação da Crimeia em 2014. O Kremlin nega qualquer intenção bélica e afirma que deseja garantir sua segurança diante do que considera um comportamento hostil de Kiev e da Otan.

Para o Ocidente, porém, toda a movimentação russa demonstra o contrário. Ainda ontem, o governo Putin anunciou a chegada à Crimeia de seis navios de guerra para os próximos exercícios no Mar Negro, ao redor do sul da Ucrânia. Segundo Kiev, essa mobilização tornou a navegação praticamente impossível. 

Nos últimos dias, houve uma intensa atividade diplomática para buscar uma saída à crise. O presidente francês, Emmanuel Macron, visitou Moscou na segunda-feira e foi a Kiev na terça-feira. Outros líderes europeus têm mantido contato com os dois países. Macron defende a plena implementação dos Acordos de Minsk para contornar a situação.

Os acordos foram assinados em 2014 para por fim à guerra no leste da Ucrânia, deflagrada após a anexação da Crimeia pelos russos. Porém, nunca foi respeitado. Em oito anos, o conflito entre as forças ucranianas e os separatistas pró-Moscou provocou mais de 13 mil mortes, segundo as Nações Unidas.

Em caso de ataque russo, os países ocidentais ameaçaram Moscou com fortes medidas econômicas, que serão somadas às impostas em 2014. As negociações continuam muito difíceis entre as duas partes, cujas posições parecem irreconciliáveis.

Moscou exige o fim da política de ampliação da Otan, o compromisso de não instalar armas ofensivas perto das fronteiras russas e o recuo da infraestrutura militar da Aliança Atlântica às fronteiras de 1997, ou seja, antes de a organização receber os ex-membros do bloco soviético. 

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Mobilização americana

A Força Aérea dos Estados Unidos anunciou, ontem, a chegada de caças à Polônia, com o objetivo de "melhorar a postura de defesa coletiva da Otan". A Polônia faz fronteira com a Ucrânia, onde o temor de uma invasão da Rússia tem levado ao aumento de exercícios militares na região. Washington também está enviando 3 mil soldados para o Leste Europeu — as primeiras tropas desembarcaram na Romênia há três dias. Também ontem, a Dinamarca disse estar disposta a receber tropas americanas em seu território. 

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