Em carta divulgada pelo Vaticano, ontem, o papa emérito Bento 16 pediu perdão pela violência sexual cometida por integrantes da Igreja Católica, mas negou ter acobertado religiosos que praticado esses abusos. "Só posso expressar a todas as vítimas de abusos sexuais minha profunda vergonha, minha grande dor e meu sincero pedido de perdão", escreveu o papa emérito, que, há três semanas, foi acusado de inação diante de casos ocorridos no arcebispado de Munique e Freising, na Alemanha.
"Em todos os meus encontros com vítimas de abusos sexuais por parte de padres (…), percebi em seus olhos as consequências de uma grande culpa e aprendi a entender que nós mesmos caímos dentro desta grande culpa quando a negligenciamos ou quando não a enfrentamos com a decisão e responsabilidade necessárias, como já aconteceu e acontece muitas vezes", afirmou na carta.
O papa emérito destacou que nunca acobertou episódios de abusos quando tinha "grandes responsabilidades na Igreja Católica". O cardeal Joseph Ratzinger foi arcebispo de Munique de 1977 a 1982. Tornou-se papa, sob o nome de Bento 16, em 2005. Oito anos depois, renunciou ao pontificado.
"Maior é minha dor pelos abusos e erros que aconteceram durante o tempo de minha missão nos respectivos lugares", acrescentou Bento 16, que se declarou "consternado". O informe publicado na Alemanha sustenta que o então cardeal Ratzinger teria sido informado sobre agressões cometidas pelo padre Peter Hullermann.
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Contestação
Em um documento, também divulgado ontem pelo Vaticano, conselheiros do papa emérito rebateram as acusações apresentadas no relatório alemão, após análise minuciosa. Bento 16 agradeceu ao escritório de advocacia de Munique a ajuda na redação da resposta e na análise das milhares de páginas do relatório.
"Quando foi arcebispo, o cardeal Ratzinger não esteve envolvido em tentativas de dissimular abusos", rechaçam os conselheiros do papa emérito, para os quais o relatório tem elementos "inexatos". Os auxiliares de Bento 16 assinalam que ele não estava "informado das agressões cometidas ou supostamente cometidas por padres".
No fim de janeiro, o antecessor do papa Francisco retificou suas declarações aos autores do relatório, reconhecendo que participou em uma reunião crucial em 1980 sobre os supostos abusos praticados por Peter Hullermann. "Esse erro, que lamentavelmente aconteceu, não foi intencional e espero que seja desculpado", disse. "Afetou-me profundamente que o descuido fosse utilizado para duvidar da minha veracidade, e inclusive me apresentar como mentiroso", acrescentou.
Na carta, o papa emérito também agradece o papa Francisco pela "confiança, apoio e orações que me expressou pessoalmente". Bento 16 conclui o texto com uma referência à própria morte. "Em breve, eu me apresentarei ao juiz definitivo de minha vida. Embora possa ter muitos motivos de temor e medo quando olho para trás em minha longa vida, me sinto, ainda assim, feliz", afirmou o papa emérito, que vive aposentado em um mosteiro no Vaticano e cujo estado de saúde é muito delicado.
"As palavras dessa carta são as de um idoso impotente, que sente que se aproxima do encontro com Deus e convida toda a Igreja a sentir como sua a ferida aberta dos abusos", avaliou Andrea Tornielli, editorialista do jornal oficial Vatican News.
Por sua vez, o sacerdote Federico Lombardi, ex-porta-voz do papa emérito, ressaltou: "Bento 16 nunca quis dissimular o mal na Igreja". Ele interpretou a carta como o "resultado de um tempo profundo e doloroso e de uma sincera análise de consciência".
O relatório alemão enumerou 497 vítimas de abusos no país entre 1945 e 2019, sobretudo crianças e adolescentes. E citou 235 supostos agressores, em particular padres. Após a publicação, o Vaticano expressou "sentimento de vergonha e remorso".
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