Rússia, França, Ucrânia e EUA fizeram gestos diplomáticos para arrefecer a crise no Leste Europeu, provocada pela ameaça de invasão russa à ex-república soviética. Em conversa telefônica, o presidente russo, Vladimir Putin, e o homólogo francês, Emmanuel Macron, concordaram sobre a "necessidade de desescalada" e a promoção do diálogo. Segundo o Palácio do Eliseu, o líder Kremlin não demonstrou nenhuma "intenção ofensiva". Ao mesmo tempo, o chefe de Estado ucraniano, Volodymyr Zelensky, instou os 43,7 milhões de cidadãos a terem calma. "A probabilidade de ataque existe e não foi menos grave em 2021. Não vemos nenhuma escalada maior do que já existia. Não precisamos desse pânico", reforçou. Zelensky apontou "a desestabilização da situação interna" como o maior risco à Ucrânia.
O secretário da Defesa dos Estados Unidos, Loyd Austin, também procurou baixar o tom. "O conflito não é inevitável. Ainda há tempo e espaço para a diplomacia", declarou o chefe do Pentágono, que vê o risco de "invasão a toda a Ucrânia". "O senhor Putin pode fazer a coisa certa. Não há razão para que esta situação se transforme em conflito. Ele pode optar por diminuir a escalada. Ele pode ordenar que suas tropas se retirem (da fronteira com a Ucrânia)", acrescentou Austin.
Por sua vez, Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto, advertiu que uma ofensiva russa contra a Ucrânia seria "horrível". "(A invasão) Resultaria em uma quantidade significativa de baixas. E você pode imaginar como isso seria em áreas urbanas densamente povoadas, ao longo de estradas, e assim por diante. Seria horrível, seria terrível", alertou.
Mais cedo, o chanceler russo, Serguei Lavrov, tinha declarado que Moscou "não quer a guerra". "Não haverá uma guerra, se depender da Rússia. Não queremos uma guerra. Mas também não vamos deixar que outros atropelem nossos interesses", avisou. Para responder a uma eventual ação militar do Kremlin, o Ocidente estuda adotar um pacote de sanções. Sobre a mesa estariam o estratégico gasoduto Nord Stream 2, que conecta a Rússia à Alemanha, e o impedimento de acesso dos russos às transações em dólar. Os Estados Unidos e União Europeia cooperam para garantir o fornecimento de volumes adicionais de gás natural à Europa, caso o Nord Stream 2 seja afetado.
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Acordos
Especialista da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv, em Kiev, Petro Burkovskyi disse ao Correio que, ao escutar um pedido de Macron para que suspenda os preparativos para a guerra, Putin respondeu que não tem a intenção de atacar a Ucrânia, mas foi evasivo. "O presidente russo nada disse sobre sua prontidão em utilizar o exército contra o meu país. Putin pediu à Ucrânia que implemente os Acordos de Minsk", explicou. O documento apresenta 13 pontos que concedem status especial aos territórios de Donetsk e de Lugansk, no leste da Ucrânia, e demandam a retirada de forças estrangeiras da região.
De acordo com Burkovskyi, depois de uma reunião entre Ucrânia, Rússia, Alemanha e França, na última quarta-feira, ficou claro que as nações ocidentais esperam que Moscou detenha os combates em Donbass (extremo leste da Ucrânia) como prova de que não desejam iniciar uma guerra. "Os russos têm duas semanas para responder. Caso contrário, os preparativos para a imposição de severas sanções devem se acelerar", comentou. Em relação à ameaça de Lavrov de reconhecer a independência do leste da Ucrânia, Burkovskyi avalia que isso significaria a rejeição aos Acordos de Minsk e a anexação de Donetsk e Luhansk. territórios ocupados desde 2014.
Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla (Ucrânia), concorda com os EUA que a guerra ainda pode ser evitada. No entanto, ele adverte que, caso o Ocidente demonstre divisão e falta de firmeza, Putin poderá tentar explorar essa fraqueza e fomentar mais tensão. "A desescalada é muito importante para nós, ucranianos. Somos uma democracia e valorizamos muito as vidas de nossos soldados e civis. Putin não se importa com isso", afirmou à reportagem.
Segundo ele, o fato de Moscou concentrar 100 mil soldados na fronteira com a Ucrânia força Kiev a gastar muitos recursos militares. "Isso pressiona a nossa economia, além de provocar uma sensação de insegurança. Nós, ucranianos, não estamos em pânico, mas nos perguntamos o que pode acontecer. Não queremos viver sob a ameaça de tanques russos cruzarem a fronteira a qualquer momento", desabafou Haran. O estudioso denuncia "cinismo" por parte da Rússia, quando o Kremlin defende a desescalada. "Se a Rússia quisesse mesmo isso, bastaria retirar suas forças da fronteira. Tal medida descartaria a necessidade da presença de armamentos ocidentais no Leste Europeu. Também não haveria mísseis e soldados da Otan na Ucrânia. Para mim, os russos blefam ao falarem em desescalada. Tudo dependeria de uma decisão política Putin."