Aliada da Rússia, a China tornou-se o mais novo componente da crise em torno de uma ameaça de invasão à Ucrânia. O governo do presidente chinês, Xi Jinping, instou Washington a levar a sério as demandas apresentadas pelo Kremlin para desescalar as tensões. Durante conversa telefônica com o secretário de Estado americano, Antony Blinken, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, defendeu que a segurança de um país não deve funcionar às custas da segurança de outro. Segundo Wang, a estabilidade regional não deveria ser garantida pelo fortalecimento ou pela expansão de blocos militares.
Em carta enviada ao governo de Joe Biden, a Rússia, de Vladimir Putin, pediu aos Estados Unidos que deixem de apoiar a inclusão da Ucrânia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). O Kremlin também se opõe à expansão da aliança militar ocidental rumo ao Leste Europeu, sob a justificativa de que tal manobra colocaria tropas e armamentos no entorno da Rússia. O Ocidente acusa Putin de preparar uma invasão à Ucrânia, com a mobilização de 100 mil soldados próximo à fronteira. O Pentágono anunciou, ontem, que detectou um aumento de movimentos militares russos nas últimas horas.
Na ligação com Blinken, Wang também convidou "todas as partes" a abandonarem "completamente" a "mentalidade da Guerra Fria". Pequim advogou a formação de um mecanismo de segurança europeu sustentável, equilibrado e eficaz, por meio de negociações. "As preocupações legítimas de segurança devem ser levadas a sério e abordadas", ressaltou o chanceler de Xi.
Número três do Departamento de Estado norte-americano, Victoria Nuland disse que Washington apelou a Pequim "para que use a influência com Moscou para instar a diplomacia". "Se houver um conflito com a Ucrânia, tampouco será bom para a China", alertou. Biden telefonou, ontem, para o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e ressaltou o compromisso com a soberania e a integridade territorial do país. Os EUA convocaram, para segunda-feira, uma reunião pública do Conselho de Segurança da ONU para debater a crise.
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Observador
Chefe do Programa de Política Doméstica Russa do Carnegie Endowment for International Peace (em Moscou), Lilia Shevtsova lembrou ao Correio que, apesar da forte cooperação mútua, Rússia e China ainda não formam uma aliança. "Os dois países têm metas e interesses distintos em muitas áreas. A China observa, agora, se a Rússia vencerá esse confronto com o Ocidente. Nesse diálogo com Washington, Pequim apela por uma 'resolução pacífica' do conflito. Os chineses pretendem ficar acima da confrontação e utilizar isso em interesse próprio", disse.
Shevtsova entende que o Ocidente está em uma armadilha. "Os Estados Unidos, que lideram a resolução de conflitos, querem chegar a um acordo com Moscou. No entanto, não estão prontos a abrir mão de seus princípios", explicou. Segundo a estudiosa russa, os próximos passos da crise dependerão da habilidade dos norte-americanos em consolidarem a unidade ocidental. "A Europa está dividida em relação a um acordo com a Rússia. A 'velha Europa' — basicamente, França e Alemanha — está pronta para firmar um compromisso. O Leste Europeu, o Reino Unido e os países bálticos pressionam por uma política dura em relação à Rússia. A resolução da crise dependerá da decisão de Putin sobre se os custos da ameaça da guerra e da escalada bélica são maiores ou não do que os custos de um recuo."
Olexiy Haran — professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla (Ucrânia) — alerta que, caso a Rússia tente controlar a ex-república soviética, a China poderá replicar as táticas contra o arquipélago capitalista de Taiwan. "Depois que os EUA e aliados foram expulsos do Afeganistão, no ano passado, uma derrota na Ucrânia minaria a credibilidade do Ocidente. Para a China, a ocupação russa da Crimeia e a ameaça de ataque à Ucrânia são um exemplo de como Pequim poderia tentar desestabilizar Taiwan", afirmou à reportagem.
Rumores dão conta de que Xi pediu a Putin que não comece uma agressão à Ucrânia durante os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim (de 4 a 20 de fevereiro). Em 2014, a Rússia anexou a Crimeia logo após o fim das Olimpíadas de Inverno sediadas no balneário russo de Sochi. "Não sabemos o que está na mente de Putin. Podemos ter entre duas e três semanas para o Ocidente estudar uma estratégia de reação às agressões da Rússia", disse Haran.