Os Estados Unidos colocaram em "alerta elevado" 8,5 mil soldados que poderiam ser usados em uma força da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para responder à ameaça de invasão da Rússia na Ucrânia. A aliança militar ocidental anunciou que colocará tropas de prontidão e enviará embarcações e aeronaves adicionais a países-membros do Leste da Europa. A Dinamarca acionou uma fragata rumo ao Mar Báltico e deve mandar quatro caças F-16 para a Lituânia. A Espanha mobilizou navios de guerra e não descarta enviar caças à Bulgária. A França expressou o desejo de deslocar tropas à Romênia.
Porta-voz do Pentágono, John Kirby admitiu que "não foi tomada nenhuma decisão sobre um deslocamento de forças fora dos EUA neste momento". "Está muito claro, no entanto, que os russos não têm a intenção atualmente de reduzir a escalada", disse. A Rússia mantém pelo menos 100 mil soldados na fronteira com a Ucrânia. O presidente americano, Joe Biden, comandou uma reunião por videoconferência com aliados europeus para debater a crise. Após a reunião, o governo alemão declarou que todos reiteraram apoio "sem reserva" à integridade territorial da Ucrânia e alertaram Moscou para "graves consequências".
Apesar de o presidente Vladimir Putin ter negado reiteradas vezes, o Ocidente denuncia planos de Moscou para invadir o território ucraniano. O Kremlin criticou uma "histeria" na Europa. "As tensões se exacerbaram com anúncios e ações muito concretas por parte dos Estados Unidos e da Otan", alertou o porta-voz Dmitry Peskov.
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Diplomacia
Em mais uma aposta na diplomacia, a França convocou para amanhã uma reunião entre autoridades russas e ucranianas, em Paris. Josep Borrell — chefe de política externa da União Europeia — assegurou que os países do bloco estão unidos na abordagem aos desafios à segurança do continente. "Estamos tomando ações concretas, avançando na via diplomática e intensificando o apoio à Ucrânia. Caso a diplomacia fracasse, estamos bem avançados em responder a uma potencial agressão."
O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, disse que invadir a Ucrânia mergulharia a Rússia em um conflito "violento e sangrento". Ele chegou a especular sobre a criação de "uma nova Chechênia", ex-república soviética do Cáucaso. "Temos que transmitir a mensagem de que invadir a Ucrânia, do ponto de vista russo, será doloroso, violento e sangrento, e acho que é muito importante que as pessoas na Rússia entendam que isso poderia ser uma nova Chechênia", afirmou, em rede nacional de televisão. No sábado, o Reino Unido acusou Putin de querer instalar um líder pró-russo em Kiev. No mesmo dia, os EUA enviaram a Kiev 90t de armas letais, incluindo munições.
Ex-embaixador dos Estados Unidos no Cazaquistão e na Geórgia, William Courtney afirmou que a mobiização de tropas da Otan e dos EUA no Leste da Europa sinaliza apoio à Ucrânia e busca impedir uma potencial invasão russa expandida. "A Rússia posicionou forças massivas perto da Ucrânia. O que o Kremlin fará é um mistério", afirmou ao Correio o também especialista da Rand Corporation.
Courtney não crê em um envolvimento de outros países da Europa, à exceção da Bielorrússia, em uma eventual guerra entre a Otan e a Rússia. Ele lembra que a Bielorrússia, aliada de Moscou e governada pelo ditador Alexander Lukashenko, é a nação onde a Rússia tem acumulado suas forças. "Dali, as tropas de Putin poderiam tentar uma 'corrida trovejante' até Kiev, para cercar e capturar a capital da Ucrânia no início de uma invasão mais ampla", disse.
Por sua vez, o russo Oleg Ignatov — especialista em Rússia pelo International Crisis Group (em Moscou) — considera a decisão da Otan e dos EUA de reforçarem suas tropas como uma resposta lógica à ameaça do Kremlin. "Isso não é uma preparação para a guerra, mas uma ação preventiva. Os países-membros da Otan no Leste Europeu considerarão que os riscos de agressão contra eles se multiplicaram e pedirão à aliança e aos EUA que coloquem tropas em seus territórios. Se a ameaça da Rússia persistir, veremos mais soldados dos EUA na Europa e mais militares da Otan no leste do continente", afirmou à reportagem.
O estudioso russo classifica como "realmente altos" os riscos de escalada na Ucrânia e adverte que as intenções reais de Moscou seguem desconhecidas. "O fato é que a Rússia posicionou mais de 100 mil soldados na fronteira com a Ucrânia e não explicou os motivos. O Ocidente não pode ignorar possíveis cenários perigosos", acrescentou. Para ele, os desdobramentos da crise dependerão da Rússia. "Se a escalada local começar — por exemplo, confrontos entre separatistas pró-Moscou em Donbass e o Exército ucraniano —, o Ocidente poderá adiar as medidas mais duras para o caso de uma invasão em larga escala de tropas russas. Se a Rússia atacar a Ucrânia, veremos uma resposta contundente do Ocidente", disse Ignatov.
Nesse caso, ele prevê a imposição de sanções à economia russa, com o objetivo de golpear as exportações e o sistema financeiro. "A intenção seria, gradualmente, excluir a Rússia da economia global. A Otan enviará mais tropas para os países-membros do Leste. A Ucrânia receberá mais ajuda militar do Ocidente", afirmou.
Segurança
Daniil Bogatyriov, cientista político do Instituto Ucraniano de Análise e Gestão de Políticas, avalia como uma "péssima ideia" a mobilização de tropas no Leste da Europa. Segundo ele, o principal tema entre Rússia e EUA não é a invasão russa, mas as sugestões de Moscou sobre garantias de segurança. "O Kremlin fez duas exigências: um compromisso por escrito de Washington de que a Otan não se estenderá mais rumo ao leste; e a retirada das tropas americanas para as posições que ocupavam em 1997."
Bogatyriov destaca que a recusa dos EUA em cumprir com as demandas é a causa de tensões. "A Rússia trata a Otan e os EUA como a maior ameaça. A instalação de bases militares americanas na Ucrânia seria vista como algo absolutamente inaceitável pelo Kremlin."