Há 11 anos, esta coluna inaugurou, em janeiro, o hábito de projetar o que animará a política global nos 12 meses à frente. Com foco nos atores de maior influência internacional, a partir de uma perspectiva brasileira, ao longo dos últimos anos acompanhamos como os desafios das nações estão, para bem e para mal, cada vez mais entrelaçados.
A hiperconectividade comercial, financeira, de dados, de informações e de pessoas faz parecer que tudo muda muito rápido. Mas, para além do fluxo, há permanências. Talvez, o segredo seja conseguir mudar rapidamente as situações ruins e dificultar ao máximo que se desequilibrem os bons arranjos. Décadas perdidas ocorrem nas nações que não harmonizam interesses domésticos com seu espaço no mundo e importam problemas que não lhes dizem respeito. Comportamento em que o Brasil é imbatível.
De 2011 para cá, as tensões no Canal da Mancha desaguaram no Brexit, o qual não solucionou muita coisa. A desunião com o continente, pouco a pouco, faz o Reino Unido — o mais liberal dentre os bem conservados países do mundo — se dar conta de que será o mais dependente da fortuna dos outros. O Brexit colocou-o no colo dos outros, com forte aposta nos EUA, o líder mundial que vive às voltas com problemas internos que emergem das tragédias que dividem sua sociedade, inclusive o fenômeno Trump.
Enquanto isso, o acordo inter-regional entre Mercosul e União Europeia continua engavetado pelos europeus. Em 2022, não irá para frente, apesar de defender um mundo multipolar que privilegie o multilateralismo. Mais do que somente comércio, para ambos os polos isso é importante em um mundo dominado por EUA e China, ambos em modo expansionista. A manutenção de uma certa democracia republicana entre as nações é fundamental para a defesa dos direitos humanos e democráticos dentro das sociedades.
A Alemanha, que sabe o quanto deve à Europa, se inspirou mais em ideais de parceria e corresponsabilidade, e chegou a 2022 com a mais funcional democracia do continente e exemplo para o mundo. Exemplo para a França que vive mais profundamente os problemas do sentido da política, abrindo caminho para desastres sociais. A Rússia, começando um 2022 com tropas na Ucrânia e no Cazaquistão, segue machucada/machucando e com ilusões de força próprias de quem vê o mundo como um soldado.
Quem vê o futuro como prolongamento do passado, pouco verá; quem se mantiver dogmático e fechado para inovações, pouco contribuirá para a formulação dos princípios de esperança que o mundo necessita. A constatação de que um dos grandes desafios é abandonar energias poluidoras vai ganhando força global. A COP-27 será no Egito. O país de maior população do mundo árabe — região marcada pela bonança e os efeitos perversos do petróleo — pode ajudar a zerar globalmente as emissões líquidas de gases do efeito estufa.
Todas as nações precisam mudar sua compreensão do que seja responsabilidade local, regional e mundial para merecerem fazer parte de alguma hierarquia de valor oriunda das posições que ocupam. Às mais ricas, mais responsabilidade, pois é ao tomar mais responsabilidades que as sociedades progridem. Veja o caso do Vietnã, que já produz carros com motor elétrico com vistas a abastecer a demanda reprimida nos EUA e na Europa. É uma aposta de alto risco com alto retorno, aprendida com seus vizinhos asiáticos que sabem que ganhar o mundo é a única saída sustentável. A sofisticação industrial do Vietnã cresceu por investir para o futuro. O país tem mais robôs industriais instalados do que o Brasil. E isso não causa desemprego, os complementa, com a criação de trabalhos mais sofisticados na indústria e nos serviços.
Faz 10 anos que, ano após ano, três em cada quatro robôs industriais estão instalados em apenas cinco países: China, Japão, EUA, Coreia do Sul e Alemanha. É uma fotografia de quem direciona o mundo. O que tem de mudança rápida no mundo é isso e o espaço cibernético ao qual estão conectados. A China, com sua ascensão vertiginosa, concentra a maioria desses robôs, mas segue tendo dificuldade para aumentar o grau de confiança do mundo em seu sucesso e aceitar a democracia como valor universal.
Em paridade do poder de compra, a Índia não só consolidou seu lugar como terceira economia do mundo, como nos últimos 10 anos dobrou seu PIB. Muita gente segue sem saber disso, inclusive muitos indianos não notaram. O Japão, ainda terceiro em valor em dólares do PIB, segue às voltas com a rigidez cultural, as mesmas que fazem com que o mundo da Ásia-Pacífico tenha tantas rivalidades mal resolvidas.
Após o bate cabeça dos últimos 11 anos, que a harmonia prevaleça em 2022.
PAULO DELGADO, sociólogo