Em 311 dias, a sorte do presidente norte-americano, Joe Biden, será lançada nas urnas. As eleições de meio de mandato, em 8 de novembro, podem reconfigurar o quebra-cabeças político e dificultar a governabilidade. Pesquisas de opinião pública estampam o desafio que o democrata terá pela frente. Em meio ao avanço da cepa ômicron do Sars-CoV-2 e ao impacto da pandemia da covid-19 sobre a economia do país, inclusive com inflação, Biden amarga índices de popularidades inferiores a 40% e desaprovação de 52%. Tradicionalmente, as eleições legislativas são complicadas para o partido detentor do poder. Tudo indica que, neste ano, não será diferente.
Líder da oposição na Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy chegou a falar em uma onda vermelha (republicana), ao apostar que o partido de oposição ganhará 60 cadeiras adicionais. Atualmente, os republicanos têm 213 assentos na casa, enquanto os democratas contabilizam 221.
No início de novembro de 2021, os partidários de Biden amargaram um inesperado revés nas eleições para o governo da Virgínia — o bilionário republicano Glenn Youngkin, 54 anos e sem experiência política, venceu o ex-governador democrata Tedd McAuliffe. Em Nova Jersey, os democratas mantiveram o controle do estado com uma vitória mais apertada do que o previsto. Sob o teto do Capitólio, fraturas internas do Partido Democrata tornam o presidente ainda mais vulnerável. As divisões ficaram expostas durante debates sobre projetos considerados cruciais para a Casa Branca.
Allan Lichtman, historiador político da American University (em Washington), afirmou ao Correio que é muito difícil para um presidente norte-americano manter altos índices de aprovação, em face da polarização extrema da política nos Estados Unidos. "As taxas de popularidade de Biden refletem sua dificuldade em obter apoio do Partido Republicano, bem como condições objetivas, como a inflação em alta e o recrudescimento da pandemia. Ao contrário do desemprego, a inflação impacta todos os americanos. Além disso, as imagens da retirada militar do Afeganistão foram terríveis, e a cobertura midiática, horrível", disse.
Por sua vez, Steffen W. Schmidt — professor de ciência política da Universidade Estadual de Iowa — aposta que 2022 pode resultar em um Congresso pendendo para os republicanos e criando problemas para Joe Biden. "Uma crise constitucional é muito provável e não descarto o impeachment do presidente e da vice, Kamala Harris", advertiu, em entrevista por e-mail.
Esquerda versus direita
Schmidt projeta uma possível disputa interna no Partido Democrata, a qual envolveria a esquerda, representada pelo senador Bernie Sanders, e o "establishment" do partido, que alguns chamam de "a ala da direita", simbolizado pela Casa Branca. "Sanders perdeu a indicação para disputar a Presidência, mas a esquerda ainda tem força no Congresso e entre certos grupos de eleitores", lembrou. Segundo ele, o processo sofreu uma espécie de "metástase" e forçou o establishment (Biden) para a esquerda em vários temas. "O resultado é que os republicanos atacarão Biden e os democratas como se fossem adeptos do socialismo. Esse rótulo dói nos EUA, pois as pessoas não sabem a diferença entre socialismo e comunismo", observou.
O professor de Iowa interpreta a conjuntura de divisão partidária como especialmente desafiadora para os democratas, especialmente no contexto da inflação, de problemas na cadeia de suprimentos, de desastres climáticos, de ameaça de invasão russa à Ucrânia e de pandemia da covid-19 fora de controle novamente. Professora do Departamento de Governo da American University, Candice Nelson lembra que tudo pode ocorrer em 10 meses. "Se a legislação Build Back Better ('Reconstruir Melhor') for aprovada, a covid-19 for controlada e a cadeia de suprimentos melhorar, os democratas poderão ter alguma chance", disse a colega de Lichtman.
Diretor do Projeto sobre Ética na Comunicação Política e professor da George Washington University, Peter Loge avalia que há vários motivos para a popularidade relativamente baixa de Biden. "A pandemia continua, ajudada por políticos que continuam a dizer que a covid-19 não é uma grande ameaça ou que as vacinas não são necessárias. Se tivessem levado o coronavírus a sério quando o descobrimos, não estaríamos em uma situação tão ruim", afirmou ao Correio. "A pandemia e o tema da cadeia de suprimentos fazem com que a economia sinta-se pior do que os números mostram, o que prejudica a popularidade presidencial. Muitos republicanos seguem mentindo sobre as eleições de 2020 e semeando divisão. Os norte-americanos se sentem incertos sobre o futuro e muitos culpam Biden e os democratas."
Incentivo
Loge prefere não traçar prognósticos nem fazer previsões. No entanto, ele adverte que, caso os republicanos passem a controlar a Câmara, o Senado ou ambos, tornarão muito mais difícil para Biden cumprir com suas metas de governo. Nesse ponto, eles terão um incentivo para barrar o progresso dos EUA, culpar Biden e tentar convencer o eleitorado de que somente um republicano será capaz de reparar os danos. "Como resultado, o povo continuará a sofrer as consequências de autoridades eleitas tentando vencer o próximo pleito em vez de encontrarem maneiras de governar."
Para James Naylor Green, historiador político e professor da Universidade Brown (em Rhode Island), se os democratas perderem a Câmara ou o Senado, nada ocorrerá no Congresso pelos próximos dois anos, até as eleições presidenciais de 2024. "Os republicanos bloquearão tudo, dificultando a reeleição de Biden. Vale lembrar que os Estados Unidos ainda encontram-se polarizados, com a maioria dos republicanos não acreditando que Biden venceu as eleições. Ainda que Biden tenha obtido a aprovação de grandes leis de gastos, uma para lidar com a covid-19 e outra com a infraestrutura, ele não foi capaz de passar a legislação de infraestrutura humana, por causa de dois democratas conservadores no Senado. Além disso, Biden não tem o tom escandaloso e arrogante de Donald Trump. De muitas formas, é menos eficiente em transmitir sua mensagem", comentou.
Segundo Green, muitos americanos não entendem o teor das leis aprovadas pelo Congresso, nem as associam ao presidente e aos democratas. Uma percepção que pode pesar nas urnas, em 8 de novembro.