O recente aumento de casos de covid-19 e a falta de exames em laboratórios para realização do diagnóstico têm chamado atenção para uma outra possibilidade de detecção da doença ainda não disponível no Brasil: os autotestes.
Vendidos em farmácias ou distribuídos pelo sistema público de saúde em outros países, autotestes são diferentes dos exames que já estão disponíveis em algumas drogarias no Brasil.
Enquanto os exames já disponíveis para os brasileiros são coletados e interpretados nas farmácias, os autotestes são feitos e interpretados pelo próprio usuário, que coleta sua própria amostra e segue as instruções do fabricante. Eles podem ser comprados com antecedência e mantidos em casa para usar quando necessário, por exemplo.
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A liberação de autotestes no Brasil está sendo debatida na Agência Nacional de Vigilância Sanitária a pedido do governo federal.
Na quarta-feira (19/1), a agência pediu mais informações ao Ministério da Saúde sobre de que forma o governo pretende incluir os autotestes na política pública de testagem contra a covid-19.
A decisão da diretoria do órgão foi tomada por quatro votos a um. Todos os diretores, no entanto, criticaram a suposta falta de clareza do ministério sobre o assunto. A Anvisa deu 15 dias para que a pasta apresente mais informações.
A análise da Anvisa acontece após um pedido feito em 13 de janeiro pelo Ministério da Saúde para que os autotestes sejam disponibilizados no país.
Em nota publicada no site oficial, o ministério diz que "o uso de autoteste TR-Ag pode ser uma excelente estratégia de triagem. Os testes, que possuem resultado rápido, podem iniciar rapidamente o isolamento dos casos positivos e as ações para interrupção da cadeia de transmissão".
"No contexto pandêmico atual, com a circulação de novas variantes, em especial da ômicron, com maior potencial de transmissibilidade da doença, a procura por diagnóstico tem aumentado de forma exponencial e há grande demanda por testes rápidos na rede assistencial de saúde", continua o texto.
O governo federal ainda entende que esses testes devem cumprir os requisitos mínimos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e que os fabricantes devem manter um serviço de atendimento por telefone que funcione 24 horas por dia em todos os dias da semana.
É confiável?
Segundo patologistas, a confiabilidade do teste depende de uma série de fatores: a capacidade da pessoa para seguir instruções de coleta da amostra e realização do teste, a carga viral no momento da amostragem e a prevalência da doença em uma população quando o teste é feito.
Disponíveis em países como Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, os autotestes ainda não tem autorização para comercialização no Brasil porque seu uso "precisa ser parte de uma política de saúde pública" que é responsabilidade do governo, afirmou a Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária) em uma nota enviada enviada à reportagem da BBC News Brasil no início de janeiro.
À época, anvisa afirmou que a "situação de autotestes voltados a doenças de notificação compulsória requer a vinculação a políticas públicas com propósitos claramente definidos, associado ao atendimento e apoio clínico adequados e, conforme o caso, rastreamento de contatos para quebrar a cadeia de transmissão."
"Outros países que adotaram a abordagem de execução de testes in vitro para covid-19 fora do ambiente laboratorial detém critérios sanitários direcionados a tais situações e estabeleceram políticas públicas na perspectiva do combate à disseminação do coronavírus", disse a agência.
"A avaliação dos cenários, contexto epidemiológico, fatores culturais e mesmo a capacidade de assistência devem ser considerados na implementação de medidas que visem a melhoria de resultados."
Autotestes para detecção de gravidez ou de condições de saúde como nível de açúcar no sangue são autorizados no Brasil. Mas uma resolução da agência de 2015 estabelece que exames para detecção de organismos patogênicos (que causam doenças) ou agentes transmissíveis não podem ser realizados por autotestes.
No entanto, diz a Anvisa, é possível a criação de exceções como parte de políticas de saúde pública, como foi feito com os autotestes para detecção de HIV - que foram autorizados e disponibilizados no SUS.
Após a declaração da Anvisa, o Ministério da Saúde, responsável pela elaboração de políticas públicas de saúde, enviou um documento à agência pedindo a liberação dos testes e prevendo seu uso "em larga escala".
A seguir, entenda como os autotestes funcionam em outros países onde seu uso já é parte de políticas de saúde pública criadas pelos governos.
Medida de Redução de Riscos
Nos Estados Unidos, o CDC (Centro de Controle de Doenças) autoriza a venda de autotestes em farmácias como parte de uma política de ampla testagem da população - com uma série de recomendações para o uso.
Segundo a entidade de saúde americana, o uso de autotestes é uma das muitas medidas de redução de risco adotadas ou aconselhadas pelo governo, como a vacinação, uso de máscaras e distanciamento social.
A entidade explica que a vantagem dos autotestes são resultados rápidos. "Autotestes são uma de diversas opções de exame para covid-19 e podem ser mais convenientes que testes feitos por laboratórios", diz o CDC.
"Você pode fazer o autoteste mesmo que não tenha sintomas e esteja totalmente vacinado", afirma o órgão. Por exemplo, se tiver tido contato com pessoas que ficaram doentes ou tiver se exposto a algum risco. "Isso contribui para tomar decisões que vão ajudar a prevenir a disseminação de covid-19",
O CDC tem uma série de vídeos e material instrutivo para uso do recurso. A entidade destaca que, enquanto um resultado positivo significa que é preciso se isolar por pelo menos 10 dias e avisar pessoas com quem você teve contato, um resultado negativo não necessariamente significa que você está livre da doença.
"Se você fez o teste enquanto tinha sintomas e seguiu todas as instruções com cuidado, um resultado negativo significa que sua atual doença provavelmente não é covid-19, mas não descarta totalmente essa possibilidade", afirma a entidade.
"No entanto, é possível que o teste tenha resultado negativo em pessoas que estão com covid-19. Isso é chamado de falso negativo. Você também pode ter resultado negativo se sua amostra foi coletada muito no começo da sua doença. Nesse caso, você pode ter um resultado positivo mais para frente", diz o CDC.
Os testes de farmácia têm sido usados de forma ampla nos EUA, onde os testes laboratoriais são caros e não há sistema público de saúde.
Recentemente, o aumento de casos de covid-19 e a chegada da variante ômicron levou à uma escassez dos autotestes no país.
Nesta semana, o médico Anthony Fauci, assessor da Casa Branca para o combate à pandemia, disse que o problema será solucionado em breve. O presidente Joe Biden anunciou que o governo comprou 500 milhões de testes para serem distribuídos gratuitamente à população.
'Planejamento e implementação cuidadosa'
Os autotestes para covid também são autorizados na Europa, mas o ECDC (Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças) afirma que o uso rotineiro de testes de farmácia nos países da União Europeia (UE) para detecção da doença precisa ser muito "bem-planejado e cuidadosamente implementado".
Em um documento direcionado às autoridades de saúde dos países da UE, o órgão de saúde afirma que, antes de implementar os autoexames, as autoridades de saúde precisam analisar a prevalência da doença (número de casos) e o cenário em que eles serão usados - como, por exemplo, para testar a população geral ou para grupos ou situações específicas.
O ECDC afirma que os autotestes podem contribuir para a capacidade de testagem de covid-19 através da detecção de casos logo no início e para a redução da transmissão, porque permitem um rápido auto isolamento de pessoas contaminadas.
"Contudo, transferir a responsabilidade de relatar os resultados dos testes de profissionais de saúde e laboratórios para indivíduos pode levar à subnotificação e tornar medidas como rastreamento de contratos e quarentena ainda mais desafiadoras", afirma o ECDC.
"Indicadores atuais para monitorar a intensidade e disseminação da pandemia de covid-19 podem ser (negativamente) afetadas e pode ser mais difícil monitorar as tendências da doença ao longo do tempo."
Um desafio adicional, diz a entidade, é que as amostras de autotestes não vão estar disponíveis para sequenciamento e monitoramento de variantes preocupantes da doença, como a delta e a ômicron.
A autoridade de saúde também destaca que ainda há poucos estudos conclusivos sobre autotestes como uma ferramenta para o controle da covid.
Distribuição gratuita
No Reino Unido, os autotestes de covid são distribuídos pelo sistema público de saúde sem custos, em kits com sete exames. Os britânicos podem retirá-los em farmácias ou pedir, pela internet, para entrega pelo correio - sem cobrança adicional.
No fim de dezembro, com o avanço da ômicron no Reino Unido e um aumento na procura por testes, a distribuição desses testes ficou comprometida por desequilíbrio entre a oferta e a demanda.
Após a realização do autoteste, a recomendação do governo britânico é que os usuários reportem os resultados, pela internet, ao sistema público de saúde.
Outros países, como Austrália e Canadá, também incluíram a detecção com autotestes em suas políticas de combate à covid. Em ambos os países, também é possível obter os testes gratuitamente com o sistema público de saúde.
Na Austrália, é possível solicitar os autotestes ao governo e é obrigatório que resultados positivos sejam notificados pelos usuários.
As autoridades de saúde do país orientam os cidadãos a fazerem os autotestes em situações como antes de uma visita a um local onde haja alto risco (como um asilo ou unidade de saúde), antes de ir a algum lugar onde possa haver multidões, antes de voltar ao trabalho presencial e para se tranquilizar caso não tenha sintomas mas esteja se sentindo ansioso. No entanto, as autoridades determinam que no país, caso a pessoa tenha qualquer sintoma de covid, ela precisa fazer um teste laboratorial.
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