REINO UNIDO

'Como passei de viciado em heroína a guarda da rainha Elizabeth 2ª'

O britânico Paul Boggie admite que anos de vício em heroína o levaram a perder a vontade de viver. Mas após fazer uma mudança radical, ele se juntou ao Exército e acabou integrando a Guarda Escocesa do Palácio de Buckingham, uma divisão encarregada de proteger as residências reais

BBC
Angie Brown - BBC Escócia
postado em 10/01/2022 13:21 / atualizado em 10/01/2022 13:28
Paul Boggie foi viciado em heroína (à esquerda) por muitos anos antes de mudar de vida e se juntar à Guarda Escocesa (à direita) -  (crédito: Arquivo pessoal)
Paul Boggie foi viciado em heroína (à esquerda) por muitos anos antes de mudar de vida e se juntar à Guarda Escocesa (à direita) - (crédito: Arquivo pessoal)

O britânico Paul Boggie admite que anos de vício em heroína o levaram a perder a vontade de viver.

Mas após fazer uma mudança radical, ele se juntou ao Exército e acabou integrando a Guarda Escocesa do Palácio de Buckingham, uma divisão encarregada de proteger as residências reais.

O Palácio de Buckingham, no centro de Londres, é a residência oficial da rainha Elizabeth 2ª, do Reino Unido.

Boggie começou a usar heroína aos 18 anos em Craigentinny, um subúrbio de Edimburgo, na Escócia, onde morava.

Ele lembra que ficou chateado após brigar com os amigos. Por isso, quando um deles lhe ofereceu drogas, Boggie concordou.

"Estavam todos amontoados em um pequeno Fiesta (modelo de carro da marca Ford) e eu só vi o lampejo da folha de alumínio, mas não sabia o que era", lembra.

"Um deles saiu e me disse que estavam perseguindo o dragão. Não havia agulhas, colheres ou cintos. Quando entrei no carro, o cheiro era horrível, como peixe podre. É assim que cheira a fumaça de heroína", descreve.

Paul Boggie
Paul Boggie
Paul Boggie começou a usar heroína aos 18 anos

'Não me considerava um viciado'

Depois de usar seu salário para pedir dinheiro emprestado, ele logo contraiu uma dívida de 16 mil libras (cerca de R$ 120 mil).

Boggie manteve seu emprego como carteiro, apesar de usar heroína todos os dias, algo que fazia até no banheiro do trabalho.

"Ainda funcionava", diz ele.

"Não me via como o estereótipo do viciado em heroína. (A droga) não havia afetado meu corpo", detalha.

Ele conseguiu esconder o uso de drogas de seu empregador e família. E justificava seus olhos avermelhados — um indicador característico do vício — como consequência de rinite alérgica.

"Não pensei que fosse viciado, não levei isso a sério", diz Boggie, que agora tem 42 anos e mora em Fife, no leste da Escócia.

Paul Boggie
Paul Boggie
Paul Boggie (à direita) com um de seus irmãos e sua mãe

No entanto, quando uma operação antidrogas da polícia o deixou sem conseguir comprar heroína por oito horas, ele ficou "apavorado".

"Lembro-me de quando finalmente peguei o medicamento, me senti incrível. Todas as dores físicas, os calafrios, o nariz e os olhos vermelhos desapareceram", descreve.

"Mas então pensei: 'Ah, não, acho que acabei de assinar minha sentença de morte'", lembra.

"Foi assim que percebi que corria perigo porque adorava heroína. Naquele momento, caiu a ficha de que eu era um viciado", reconhece.

Paul Boggie
Paul Boggie
Com o passar dos anos, Paul Boggie começou a sentir os efeitos nocivos da heroína

'Desisti de viver'

Com o passar dos anos, a droga começou a afetá-lo.

Ele perdeu o emprego e começou a ficar mal. Seu humor mudou e as pessoas começaram a notar.

Boggie perdeu peso dramaticamente e disse estar "esperando para morrer".

"Desisti de viver. Estava apenas focado em conseguir heroína. Estava preso sentindo pena de mim mesmo e a heroína estava tirando tudo de mim", diz ele.

"Felizmente, na maioria das vezes meus pais me deixavam ficar na casa deles, mas tive que dormir sob a escada", detalha.

"Você não sente dor ou frio porque fica feliz onde quer que esteja quando toma heroína", lembra.

Boggie tentou parar com a heroína 13 vezes, mas teve várias recaídas, até que frequentou um curso na ONG Cyrenians, voltada para pessoas em situação de rua.

"Deixava todas as minhas drogas e heroína na mesa com um chá com leite que bebia para engolir meus comprimidos. Mas (um dia) passei por ali, encostei o nariz no espelho do meu quarto e me perguntei: 'O que é o que você quer?'", lembra ele.

"Olhei para mim mesmo e disse, 'Não volte a pedir heroína de novo, porque você não vai tê-la' e foi isso."

E ele nunca mais usou a droga.

Paul Boggie
Paul Boggie
Boggie treinou por meses antes de uma viagem planejada ao Afeganistão, mas sofreu um acidente

'Estava orgulhoso do que havia conquistado'

Alguns anos depois, após ganhar peso e conseguir um emprego numa rede de supermercados, ele ingressou na Scots Guards quando tinha 30 anos.

Seis meses depois de entrar para o Exército, Boggie foi destacado para trabalhar no Palácio de Buckingham.

"Tinha parado de usar as drogas, mas ainda sentia que faltava algo na minha vida", diz ele.

"Quando entrei para a Guarda Escocesa, fiquei muito orgulhoso do que havia conquistado. Lembro-me de ter pensado: 'Uau, alguns anos atrás eu era viciado em heroína e agora estou fazendo a segurança do palácio", diz.

No entanto, após cinco anos no Exército, ele foi transferido para um campo de treinamento na Inglaterra — com o objetivo de participar de uma viagem ao Afeganistão — quando o caminhão em que viajava bateu.

Boggie feriu gravemente as costas.

Quando teve alta do hospital, foram prescritos analgésicos para a coluna, nos quais ele se viciou.

Paul Boggie
Nadin Dunnigan Photography
Boggie agora mora em Fife com sua esposa Stephanie e sua enteada Cherise

Durante a quarentena devido à pandemia de covid-19, ele escreveu o livro Heroin to Hero ("Da heroína a herói"), cujos rendimentos são doados às pessoas em situação de rua.

Na obra, Boggie descreve como se livrou da heroína, o que lhe permitiu finalmente abandonar os analgésicos.

"Acabo de escolher viver com a dor em vez de tomar os comprimidos", confessa.

Hoje, ele dá palestras em escolas na tentativa de destacar os perigos do vício, além de falar gratuitamente com presidiários.

"As drogas são ruins, mas o vício é horrível", diz.

"É difícil romper um vício. Você acaba aceitando seu destino e pode acabar morrendo como muitos dos meus amigos", conclui.


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