Em decisão que arrancou críticas indignadas da comunidade internacional, a Suprema Corte russa determinou, ontem, o fechamento da fundação Memorial, a principal organização ligada aos direitos humanos do país e um símbolo da sociedade civil por sua defesa das liberdades. Defensores da ONG anunciaram que vão recorrer. "É uma decisão nefasta, injusta", reagiu a advogada Maria Eismont.
Após o veredicto, lido rapidamente, várias pessoas gritaram "vergonha! vergonha!" no tribunal. Logo depois, a polícia expulsou apoiadores da Memorial e jornalistas do prédio da Suprema Corte. Pelo menos seis pessoas foram detidas, antes e depois do veredicto, segundo informações da agência de notícias France Presse.
Analistas consideram que a decisão contra a Memorial, de grande prestígio fora da Rússia, faz parte da repressão contra os críticos do Kremlin, que se acelerou ao longo deste ano, com fechamento de jornais independentes e ONGs e do desmantelamento do movimento do opositor preso Alexei Navalny.
O embaixador dos Estados Unidos em Moscou, John Sullivan, denunciou uma "trágica tentativa de suprimir a liberdade de expressão e de apagar a história", enquanto o Conselho da Europa lamentou uma "notícia devastadora para a sociedade civil". O Ministério das Relações Exteriores da Alemanha considerou a determinação "mais do que incompreensível".
"Um poder que tem medo da memória nunca alcançará a maturidade democrática", destacou no Twitter a Memorial do campo de extermínio nazista de Auschwitz, enquanto a ONG Anistia Internacional denunciou um "insulto" à memória das vítimas dos campos soviéticos.
Por meio de um comunicado, a Memorial prometeu encontrar meios legítimos para continuar suas atividades. "Impugnaremos a decisão da Suprema Corte da Rússia de todas as formas possíveis. E encontraremos vias legais para continuar nosso trabalho", assinalou um trecho da nota.
No início de novembro, a Promotoria russa pediu a dissolução da Memorial International, a estrutura-chave que coordena a rede da organização na Rússia, acusando-a de ter infringido, "de maneira sistemática", as obrigações de sua condição de "agente estrangeiro". Essa categoria designa organizações consideradas culpadas de agirem contra os interesses de Moscou, recebendo fundos estrangeiros.
Criada em 1989 por dissidentes soviéticos (entre eles, o Prêmio Nobel da Paz Andrei Sakharov), a Memorial iniciou um trabalho meticuloso de documentação dos crimes stalinistas e do Gulag — o sistema de campos de trabalhos forçados para criminosos, presos políticos e opositores do regime em geral. Também investigou os abusos russos durante as guerras na Chechênia e, mais recentemente, a ação dos paramilitares do grupo Wagner, considerado o braço armado da Rússia no exterior. O Kremlin nega essa versão.