Ex-líder estudantil e mais jovem político a se candidatar à Presidência, Gabriel Boric, 35 anos, da Frente Ampla, de esquerda, é o novo presidente do Chile. Com uma ampla vantagem desde o início da abertura das urnas, Boric obteve quase 56% dos votos, 10 pontos percentuais a mais que o adversário, o ultradireitista José Antônio Kast. Ele chega ao Palácio de La Moneda com a tarefa de estabilizar a economia em um cenário de inflação galopante, reestruturar o quase falido sistema previdenciário e combater as desigualdades sociais, amplificadas pela pandemia de covid-19.
Outro desafio é unificar o país, tema que explorou no discurso da vitória, pouco antes das 22h. Boric agradeceu nominalmente a cada candidato à Presidência. Citando o oponente derrotado no segundo turno, ele disse que "tivemos diferenças, mas saberemos construir pontes com elas, para que nossos compatriotas possam viver melhor". Repetindo o que havia falado horas antes ao presidente Sebástian Piñera, o ex-líder estudantil afirmou: "Serei presidente de todos os chilenos e chilenas".
O esquerdista, que atualmente ocupa um assento na Câmara, também destacou o compromisso com o respeito à democracia, aos direitos humanos e à Justiça. "Que nunca mais tenhamos um presidente que entra em guerra contra seu povo", disse, em referência ao ex-ditador Augusto Pinochet. Boric repetiu o que vinha prometendo ao longo da campanha: crescimento e distribuição justa da riqueza, diminuição do abismo entre ricos e pobres, fortalecimento da educação e da saúde pública, reconhecimento dos direitos dos povos originais e criação de um sistema que valorize o trabalho da mulher, entre outros.
Com um discurso contra a economia neoliberal herdada de Pinochet e focado na defesa de direitos sociais, Boric chegou ao segundo turno 2,35 pontos percentuais atrás de Kast, 55 anos. Essa é a primeira vez que ocorre uma reviravolta do tipo na história eleitoral do Chile.
Palco de manifestações constantes desde 2019, as ruas de Santiago foram tomadas por eleitores de Boric. Na capital e em outras cidades, eles começaram a comemorar a vitória ainda com metade das urnas apuradas, munidos de bandeiras do país, do Partido Comunista e da diversidade sexual.
Bastante emocionado no discurso de admissão da derrota, Kast afirmou que o Chile tem "grandes desafios" à frente. Embora tenha sugerido há duas semanas, em uma entrevista à TV, que as eleições poderiam ser definidas na Justiça caso a diferença de votos fosse estreita — o que não ocorreu —, o direitista adotou outro tom ao agradecer a seus eleitores. Disse que é hora de todos trabalharem juntos pelo país, apesar das divergências políticas. "Gabriel Boric merece todo o nosso respeito. Esperamos que faça um governo muito bom."
Conciliação
O presidente Sebastián Piñera também adotou o discurso conciliatório. No Palácio de La Moneda, disse que "Gabriel Boric será o presidente de todas as chilenas e de todos os chilenos; de todos que votaram e também de todos que não votaram". Destacando a força do processo democrático, Piñera afirmou que, com mais de 8 milhões de votantes, essa foi uma das eleições com maior participação da história do país, onde o voto é facultativo. Em conversa privada com Boric, por telefone, ele reforçou ao sucessor que "todos esperam muito de você".
Pelo twitter, vários líderes mundiais parabenizaram Gabriel Boric. "Fico feliz por mais uma vitória de um candidato democrata e progressista na nossa América Latina, para a construção de um futuro melhor para todos", escreveu Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente da Argentina, Alberto Fernández, também se manifestou na rede social. "Devemos assumir o compromisso de fortalecer os laços de irmandade que unem nossos países de trabalhar unidos à região para pôr fim à desigualdade na América Latina." A vice-presidente, Cristina Kirchner, por sua vez, assinalou que "o povo sempre volta e encontra os caminhos para fazê-lo. Pode ser um partido, um dirigente hoje e outro amanhã, mas o povo sempre volta".