Aconteceu ontem no mercado de Alamata, na parte sul do Tigré — região norte da Etiópia. Seis bombardeios realizados pela Força Aérea etíope mataram pelo menos 28 pessoas e feriram 76. No 408º dia de uma guerra iniciada em novembro de 2020 pelo primeiro-ministro, Abiy Ahmed, para expulsar os insurgentes da Frente de Libertação do Povo do Tigré (TPLF), duas das mais importantes organizações de defesa dos direitos humanos do mundo divulgaram um relatório que aponta atrocidades no oeste do Tigré.
Relatório conjunto da Human Rights Watch (HRW) e da Anistia Internacional revela que as forças de segurança de Amhara são responsáveis por uma onda de detenções em massa, tortura, assassinatos e expulsões forçadas de integrantes da etnia tigré. A pedido da União Europeia, o Conselho de Direitos Humanos da ONU promove, hoje, em Genebra, uma sessão especial sobre "a grave situação dos direitos humanos na Etiópia".
Laetitia Bader, diretora da HRW para o Chifre da África, relatou ao Correio que os autores do relatório constataram que as forças de Amhara expulsaram principalmente idosos e mulheres com filhos pequenos. "Também descobrimos que essas forças detiveram, em condições de ameaça à vida, homens e mulheres que consideravam ter idade para participarem de combates. O oeste de Tigré tem sido o palco de algumas das piores atrocidades desde o começo do conflito", explicou. "O que documentamos nessa nova onda de abusos são crimes de guerra."
De acordo com Laetitia, as forças de Amhara invadiram o oeste do Tigré com a ajuda das soldados do governo de Abiy. "Nos primeiros meses do conflito, documentamos graves abusos, cometidos pelas tropas federais, incluindo o bombardeio indiscriminado a cidades, o que levou a um enorme deslocamento de civis, além de mortes. Também registramos assassinatos cometidos pelas forças do governo e por seus aliados", afirmou.
Segundo ela, não há comunicação telefônica com a maior parte do Tigré. "Na parte oeste da região, controlada pelas forças de Amhara, existe comunicação. Nós entrevistamos pessoas que permaneceram na área, que testemunharam os abusos ou os próprios sobreviventes. Também indivíduos que fugiram para o Sudão", disse Laetitia.
"Muitos desses civis que tentaram escapar para o Sudão foram executados no caminho. Isso foi uma tendência que constatamos nas entrevistas. Desde o início do conflito, as forças de Amhara bloquearam a estrada que leva até o Sudão. Com isso, os tigrés ficaram com poucas opções, a não ser fugir movendo-se dentro do Tigré", acrescentou ela.
"Grande perigo"
O relatório conjunto apresenta denúncias sobre o desaparecimento de pessoas forçadas a subirem em caminhões. Em alguns casos, civis em fuga foram golpeados com facões e machados. "Sem uma reação internacional urgente (...) os cidadãos do Tigré, especialmente os detidos, correm grande perigo", declarou Joanne Mariner, diretora de resposta a crises da Anistia Internacional, por meio de nota. Durante a sessão de hoje do Conselho de Direitos Humanos da ONU, existe a perspectiva de nomeação de investigadores sobre possíveis violações de direitos.
Meaza Gebremedhin, 27 anos, nasceu em Adigrat, no Tigré, e hoje mora em Washington, onde trabalha como analista de relações internacionais e defensora dos direitos humanos. "À medida que o genocídio se desenrola, a crise humanitária piora e ceifa a vida de centenas de civis, todos os dias", lamentou ao Correio. "É uma guerra esquecida, pois membros da comunidade internacional a ignoram de propósito. Estão cientes dos horrendos crimes de guerra e contra a humanidade que Abiy Ahmed e seus aliados cometem contra inocentes no Tigré. Eles estão simplesmente parados, de braços cruzados, pois não têm vontade política para cumprir com sua responsabilidade de proteger e responsabilizar os perpetradores."
Ela afirmou que ativistas escreveram cartas ao Comitê Nobel Norueguês, protestaram em frente à sede da entidade e organizaram campanhas por meio do Twitter para pedir a revogação do Prêmio Nobel da Paz para o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed.