Quando o americano Joe Biden e o russo Vladimir Putin se encontrarem virtualmente na terça-feira (7), os dois presidentes terão que lidar com um histórico de suspeitas mútuas enquanto tratam de um assunto urgente: um grande aumento da força militar russa na fronteira com a Ucrânia.
A principal questão que paira sobre as discussões - e tópico de intenso debate entre analistas e líderes políticos - é se Putin poderia lançar uma ofensiva transfronteiriça ou se está usando suas tropas para pressionar Biden por garantias de que a Ucrânia nunca se tornará membro da Otan.
Os líderes têm uma enorme lista de outras diferenças a discutir, desde o tratamento dispensado pela Rússia a seus dissidentes à presença de hackers em solo russo, bem como o apoio de Moscou ao regime repressivo na Síria.
Mas a escala do reforço militar russo perto da Ucrânia - o Kremlin pode estar planejando uma ofensiva no início de 2022 com cerca de 175.000 soldados, de acordo com a inteligência americana - disparou alarmes em Washington e em todo a Europa.
Muitos analistas duvidam que Putin iniciaria uma invasão - o que inevitavelmente provocaria rejeição internacional e provavelmente novas sanções - embora alguns tenham uma visão mais negativa.
"Putin aumentou drasticamente as apostas. Ele não está mais fingindo", diz Tatiana Stanovaya, fundadora da consultoria política R. Politik Center e estudante não residente do Carnegie Moscow Center.
"Ele está pronto para dar um passo desesperado", comentou à AFP.
Nesta segunda-feira, o Kremlin indicou que não espera nenhum avanço na reunião.
"É difícil esperar um avanço dessas negociações", declarou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, citado pelas agências de notícias russas, considerando que é pouco provel solucionar todas as disputas que prejudicam as relações bilaterais "em algumas horas".
Teste para Biden
A crise pode ser o teste mais duro até agora para a habilidade e o poder da política externa do presidente dos Estados Unidos de 78 anos.
Biden e Putin - que devem conversar por volta do meio-dia, no horário de Washington de terça-feira - têm uma história juntos.
Eles se encontraram pessoalmente no Kremlin em 2011. O então vice-presidente Biden declarou após a reunião que comentou com o líder russo: "Acho que você não tem alma". De acordo com Biden, Putin respondeu: "Nós nos entendemos".
Eles se encontraram novamente em 2014 em Genebra para lidar com a pressão militar russa na Ucrânia, agora um assunto familiar.
E em junho deste ano se encontraram novamente em Genebra, pela primeira vez com Biden presidente.
Os contatos entre os dois continuaram desde então, assim como as tensões, com Putin ansioso para pressionar Biden a outra cúpula como forma de projetar paridade no cenário mundial.
Na sexta-feira, Biden prometeu tornar "muito, muito difícil" para a Rússia o lançamento de uma invasão, embora não tenha entrado em detalhes sobre como.
Pressão com a Otan
Alguns analistas dizem que a Rússia, profundamente preocupada com os laços cordiais da Ucrânia com a Otan, está pressionando para interromper esse movimento.
Seguindo o exemplo de Putin, o ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, pediu ao secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, na quinta-feira que fornecesse "garantias de segurança" de que a Otan não se aproximaria da fronteira russa.
Stanovaya indica que este poderia ser o objetivo final de Putin. "Ou a Otan oferece garantias ou a Rússia invade a Ucrânia", observa.
A Rússia nega quaisquer intenções belicosas e, em vez disso, acusa o mundo ocidental de provocações no Mar Negro.
A Otan reconheceu Kiev em junho de 2020 como um dos chamados "parceiros com oportunidade melhorada", um passo potencial para a adesão.
Heather Conley, ex-assistente da secretaria de Estado dos Estados Unidos para Assuntos Europeus, acredita que Putin está disposto a aplicar "enorme pressão" no confronto ucraniano.
O líder russo se projeta em outra cúpula face a face com Biden, de acordo com Conley, que faz parte do Centro de Estratégia e Estudos Internacionais. Além disso, ele quer enfraquecer os laços do Ocidente com a Ucrânia, vista por alguns como "uma espécie de porta-aviões da Otan".
Fyodor Lukyanov, analista político próximo ao Kremlin, duvida que Biden e Putin chegarão a um acordo sobre resultados concretos na terça-feira, embora rejeite hostilidades que possam surgir se as negociações fracassarem.
"Não, isso é histeria agitada pelo mundo ocidental", disse à AFP. "As guerras começam de repente. Se começar, começará de maneira diferente".
Moscou tomou a Crimeia da Ucrânia em 2014 e desde então tem apoiado as forças separatistas que lutam contra Kiev. O conflito soma mais de 13.000 mortes.
E se o encontro virtual entre os líderes rivais não acontecer na terça-feira? Se a Rússia não conseguir os ajustes que busca e todos os esforços diplomáticos falharem, Conley pondera: "Putin então usará meios militares para atingir seu objetivo político".