Pouco mais de quatro meses após tomar posse, o presidente do Peru, Pedro Castillo, do partido de esquerda Perú Libre (Peru Livre), corre o risco de ser alvo de impeachment, deixando em evidência o nível de instabilidade da política peruana.
Ex-professor de escolas rurais, Castillo, de 52 anos, poderia chegar a ser o terceiro presidente a não concluir o mandato nos últimos três anos, caso o Congresso, que é unicameral, aprove sua destituição.
Neste pouco tempo de mandato, ele perdeu vários ministros, incluindo o da Defesa, e tem sido afetado por escândalos como o do envelope com US$ 20 mil encontrados no banheiro do gabinete de seu secretário geral da Presidência, Bruno Pacheco, que renunciou ao cargo.
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O flagrante contra Pacheco ocorreu quando o Ministério Público realizava inspeções numa investigação sobre tráfico de influência após a saída dos chefes do Exército e da Aeronáutica. Os militares acusavam o homem forte de Castillo de pressões para promoções nas corporações de pessoas que seriam ligadas ao presidente.
Estas histórias, o fato de Castillo realizar reuniões do governo na casa de um amigo, de não conceder entrevistas à imprensa e de enviar sinais pouco claros aos investidores sobre os rumos da economia estariam afetando a popularidade presidencial, segundo o presidente do instituto IPSOS Peru, Alfredo Torres.
É neste ambiente que não se descarta nesta terça-feira (7/12) o primeiro passo da escalada por sua saída antecipada, segundo analistas e a imprensa local.
Caso o Congresso aprove o início de impeachment, Castillo deverá ser convocado para dar explicações sobre as acusações contra ele e sua gestão e governar na corda bamba até nova votação que definiria sua permanência ou não no cargo.
O ministro peruano da Justiça e Direitos Humanos, Aníbal Torres, disse que a iniciativa da oposição de tentar instaurar o processo de impeachment contra Castillo é, na sua visão, "um golpe de Estado disfarçado da oposição" de direita.
Torres afirmou ainda que o governo apelará ao Tribunal Constitucional caso o Congresso aprove o pedido de instauração de impeachment contra o presidente. O próprio Castillo atribuiu a empreitada opositora às "elites" que não estariam conformadas com um professor rural na Presidência. Suas palavras e sua imagem com uma Bíblia saíram na primeira página de jornais peruanos.
Antecedentes
Os dois presidentes anteriores que perderam o cargo antes do fim do mandato de cinco anos foram Pedro Pablo Kuczynski, conhecido como PPK, que caiu em 2018, e seu sucessor Martín Vizcarra, em 2020. Nos dois casos, eles saíram após ter sido iniciado o processo de impeachment. PPK renunciou quando o parlamento se inclinava por sua defenestração. Vizcarra teve o impeachment aprovado e saiu pouco antes de ter a destituição oficializada.
A história peruana recente é marcada por quedas de presidentes e de prisões de ex-presidentes, além do suicídio, em 2019, de Alan García, que liderou o país duas vezes.
Odebrecht
García, PPK, Alejandro Toledo (2001-2006) e Ollanta Humala (2011-2016) foram acusados de envolvimento irregular com a empresa Odebrecht, assim como Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori e umas das principais líderes da oposição hoje.
No caso de Castillo, que recebeu outros tipos de denúncias, a expectativa é que a oposição consiga os 52 votos necessários (40% dos 130 votos) para instaurar seu processo de impeachment. E, apesar de o partido de Castillo contar com a maior quantidade de votos no parlamento, ele precisará da boa vontade e respaldo de setores insatisfeitos da própria base governista para que opositores não reúnam os 87 votos que são previstos para que ele seja defenestrado, como afirmou à BBC News Brasil o professor da Universidade de San Marcos, Carlos Aquino.
"Antes da possível votação do impeachment, Castillo ainda deverá ir ao Congresso dar explicações e ainda não há data para este momento. Porém, fica claro como o governo está instável", disse Aquino.
Este capítulo da história peruana começou a ser escrito há cerca de dez dias quando vinte e oito parlamentares da oposição de centro-direita e de direita apresentaram o pedido de abertura do processo de sua saída da Presidência, sob argumento de "incapacidade moral" de Castillo para seguir no cargo. A 'vacância por incapacidade moral' está prevista na constituição do país e a expressão 'incapacidade moral' é interpretada por juristas do país, como publicou o site de notícias Infobae, de Buenos Aires, como 'incapacidade mental'.
Partido do lápis
Entre os que assinaram o documento está a ex-candidata presidencial Keiko Fujimori, líder do partido direitista Força Popular, que perdeu a disputa eleitoral para Castillo por estreita margem de votos. Fujimori só reconheceu a derrota cerca de um mês após a eleição e depois de requerimentos em série para tentar impugnar a eleição e posse do opositor.
Na segunda-feira (6/12), numa corrida contra o relógio, Castillo se reuniu com aliados. Seu partido Perú Libre, chamado de "partido do lápis" em referência ao fato de o presidente ser professor, declarou que "apesar das fortes discrepâncias" votará contra o pedido de impeachment do presidente. O argumento da legenda é que as acusações contra Castillo "são falsas".
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País com cerca de 33 milhões de habitantes, o Peru viveu um dos piores dramas da América Latina durante a pandemia do novo coronavírus. Imagens como as de familiares de vítimas da doença nas filas em Lima, a capital, e no interior do país, para comprar cilindros de oxigênio, no mercado paralelo, para serem levados para hospitais ou para casa ainda estão na memória de muitos peruanos.
Estima-se que cerca de 200 mil pessoas morreram vítimas de covid-19 e os pedidos para que as pessoas não saíssem de casa foram considerados impossíveis de obediência, já que 70% da população ativa trabalha na informalidade. Atualmente, mais de 50% dos peruanos já receberam as duas doses da vacina contra a covid-19, o que é visto como ponto positivo da gestão de Pedro Castillo.
No âmbito da economia, a expectativa, segundo bancos privados e organismo internacionais, é que o país registre crescimento superior a 12%, após retração de 12,9% em 2020, a segunda pior queda da região, depois da Venezuela, que caiu 30%, de acordo com dados da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal).
A economia peruana teve forte expansão, com aumento do Produto Interno Bruto (PIB) superior a 4% anual a partir de 2000 e grande parte do início do século 21. No entanto, questões estruturais, como o abandono do sistema de saúde, ficaram ainda mais evidentes na pandemia. O índice de pobreza, que tinha diminuído, voltou a ser incrementado atingindo cerca de 40% da população.
A expectativa é que com a expansão econômica deste ano e a que é prevista para 2023 (entre 2,5% e até 5%, dependendo da previsão), a pobreza volte ao patamar de 30%.
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