A primeira pesquisa de intenção de votos para o segundo turno das eleições presidenciais no Chile mostra os dois finalistas em condições de igualdade. Segundo a sondagem do Instituto Cadem, o candidato de extrema direita José Antonio Kast e o esquerdista Gabriel Boric estão empatados tecnicamente, com 39%. Para analistas, nessa reta final da corrida ao Palácio de La Moneda, que se encerra em 19 de dezembro, os oponentes precisam moderar seus discursos para atrair o centro. E nisso, Boric sai em desvantagem, de acordo com os prognósticos.
O resultado das urnas, que confirmou o favoritismo dos dois políticos de perfis antagônicos, foi bem recebido pelo mercado chileno, que reagiu com alívio. O peso chileno abriu com forte valorização de 3,5%, negociado a 800 unidades por dólar no início das operações. A Bolsa de Santiago disparou na abertura, com alta de 9,25%.
Apesar das longas filas, as eleições voltaram a registar uma pequena participação, de 46,8% — mais da metade do eleitorado, portanto, enviou uma mensagem de insatisfação com a política. Muitos jovens, os protagonistas das manifestações que estouraram há dois anos reivindicando igualdade social, mostraram-se, ontem, assustados com a liderança de Kast, o que poderia impulsionar a candidatura de Boric.
Com adversários em polos opostos, analistas consideram que o segundo turno "será uma versão aprofundada das retóricas do medo", apesar das promessas dos comitês dos dois candidatos de evitar a polarização. "Vai ser uma eleição de um medo contra o outro", disse o Marcelo Mella, da Universidade de Santiago, à agência de notícias France-Presse (AFP).
"O medo de uma candidatura de Boric de esquerda, que não consiga responder aos problemas que o país enfrenta hoje, ou o medo de uma liderança ultraconservadora com Kast, que prejudique gravemente a base do pluralismo que uma democracia deve ter", detalhou Mella.
Candidato do Partido Republicano, Kast, advogado de 55 anos, liderou o primeiro turno com 27,97% dos votos e um discurso de "paz, ordem, progresso e liberdade". Lançado pela aliança Aprovo Dignidade - Frente Ampla e Partido Comunista, o deputado Borick, ex-líder estudantil de 35 anos, recebeu 25,7%, ao identificar-se com os protestos sociais de outubro de 2019 contra a desigualdade social e que busca um novo modelo de país.
Saiba Mais
Fiel da balança
De acordo com as análises, a principal chave para vencer o segundo turno está nos votos dados ao liberal Franco Parisi. O candidato antissistema surpreendeu ao ficar no terceiro lugar ao receber 13% dos votos, apesar de residir nos Estados Unidos e de ter feito campanha apenas pela internet, sem colocar os pés no Chile durante a campanha eleitoral, nem para votar.
Parisi, economista de 54 anos, candidato do modesto Partido do Povo, recebeu mais de 800 mil votos com sua campanha em formato digital baseada no Alabama, com duras críticas à classe política tradicional e à elite chilena. Ele chegou a anunciar algumas vezes a possibilidade de ir ao Chile, todas frustradas — a mais recente pelo fato de ter sido infectado com covid-19. "Esses são os votos que terão que ser disputados", declarou à AFP Rodrigo Espinoza, da Universidade Diego Portales. Em um vídeo que circulou ontem, Parisi critica Boric, mas nega apoio a Kast.
Em quarto lugar, o candidato Sebastián Sichel, apoiado pelo governo de Sebastián Piñera, contou 12% dos votos. Ainda durante a apuração, ele se disse disposto a conversar com Kast para um eventual apoio. A senadora Cristiana Yasna Provoste, da Democracia Cristã, foi a quinta colocada, com 11%.
Kast e Boric celebraram quase ao mesmo tempo a passagem ao segundo turno ao lado de seus simpatizantes e com discursos que apontam realidades opostas para o futuro do Chile após o mandato de Piñera, em março de 2022.
Nas primeiras manifestações, o ultraconservador Kast defendeu o retorno da tranquilidade ao país, após a violência e os distúrbios no âmbito dos protestos iniciados em 18 de outubro de 2019, que levaram multidões às ruas e resultaram em distúrbios que deixaram 34 mortos e milhares de feridos. Ele acusou Boric e seus aliados do Partido Comunista pelo clima de "instabilidade" com seu projeto presidencial.
Por sua vez, o esquerdista decidiu apresentar uma mensagem comedida, sem subestimar ou ironizar o adversário. O ex-dirigente estudantil afirmou que seu projeto é "transformador, sério e responsável" e que garante a melhor qualidade de vida para todos os chilenos. "Não saímos às ruas para que tudo continue igual", disse.
Se os dois adversários concordam em algo é que precisam conquistar apoios da política tradicional de centro, cujos partidos e líderes foram deixados de lado no domingo pelos eleitores, que também votaram para deputados, senadores e conselheiros regionais.
"Kast não vai poder ser hiper-conservador nem Boric o hiper-revolucionário. Eles precisam conseguir mais votos e vão conseguir isso com as forças intermediárias", afirmou Ernesto Ottone, ex-conselheiro da presidência. "O fato de que a centro-esquerda e a centro-direita não estão no segundo turno é um pouco enganoso, porque a direita votou em Kast, obviamente, embora estivesse comprometida com Sichel. E do ponto de vista da centro-esquerda, já registrava uma queda e uma certa ilusão de um setor da centro-esquerda com Boric", concluiu.