A tomada rápida do poder pelo Talebã no Afeganistão em agosto deste ano, na visão do ex-ministro das Finanças do país, Khalid Payenda, se explica em parte pela corrupção que permeava o governo e foi responsável pela criação de milhares de "soldados fantasma".
À BBC, Payenda afirmou que a maioria dos 300 mil soldados e policiais nos registros do governo não existiam e eram usados para que generais desviassem recursos públicos.
Payenda renunciou ao cargo e deixou o Afeganistão enquanto o grupo fundamentalista islâmico avançava na retomada do território. A ofensiva se deu em meio à saída das tropas americanas do país após 20 anos de ocupação. A capital, Cabul, foi tomada em 15 de agosto.
Segundo ele, a prestação de contas das despesas das Forças Armadas era feita de forma pouco rigorosa, o que facilitava os desvios de recursos. Payenda estima terem multiplicado os números oficiais em mais de seis vezes.
"Da forma como a contabilidade era feita, perguntava-se ao chefe de cada Província quantas pessoas estavam baseadas ali e, com base nisso, calculavam-se salários e outras despesas - e esses números sempre eram inflados", afirmou à BBC.
Ainda de acordo o ex-ministro, alguns comandantes também deixavam de reportar deserções e mortes de soldados e guardavam seus cartões do banco, para que pudessem se apropriar da remuneração antes paga a seus oficiais.
As suspeitas de corrupção dentro das Forças Armadas afegãs são antigas.
Um relatório americano de 2016 do Inspetor Geral Especial para a Reconstrução do Afeganistão (Sigar) pontuava que "nem os Estados Unidos nem seus aliados afegãos sabem quantos soldados e policiais afegãos realmente existem, quantos estão de fato disponíveis para o serviço ou, por consequência, a verdadeira natureza das suas capacidades operacionais".
Em um documento mais recente, o inspetor geral expressava "sérias preocupações sobre os efeitos corrosivos da corrupção... e a acurácia questionável dos dados sobre o tamanho real da Força".
Payenda afirmou que a corrupção causou uma série de distorções, entre elas situações em que soldados que de fato existiam eram pagos com atraso enquanto alguns generais recebiam "dobrado", o salário do governo e propina paga pelo Talebã para que as tropas oficiais abrissem mão do combate.
"O sentimento geral era: não podemos mudar isso. É assim que o Parlamento funciona, é assim que os governadores funcionam. Dizia-se que 'o riacho estava turvo desde a nascente', o que significa que quem estava no topo também estava envolvido."
O ex-ministro declarou não acreditar, contudo, que o ex-presidente Ashraf Ghani fosse "financeiramente corrupto". Questionado sobre acusações de corrupção dentro do Ministério das Finanças, afirmou: "Concordo com isso até certo ponto, mas, sobre essas questões, definitivamente não."
Payenda disse ainda avaliar que o Ocidente teria sido "parte" de alguns dos problemas no Afeganistão e descreveu o envolvimento dos EUA e da Otan no país como "uma grande oportunidade perdida".
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