ELEIÇÕES

Países contestam a reeleição de Ortega em Nicarágua

EUA ameaçam impor novas sanções ao país após a declaração da vitória do ex-guerrilheiro sandinista, no poder desde 2007. União Europeia classifica o processo, marcado pela prisão de opositores, como um "escárnio"

Em um resultado sem surpresas, amplamente condenado pela comunidade internacional, o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, foi declarado, ontem, vitorioso para exercer o quarto mandato consecutivo. Segundo o Conselho Supremo Eleitoral (CSE), Ortega obteve 75% dos votos nas eleições polêmicas, que não tiveram uma real concorrência, com sete aspirantes opositores atualmente detidos. Anunciada a recondução, Washington ameaçou impor novas sanções ao país.

"Continuaremos usando a diplomacia, as ações coordenadas com nossos aliados e sócios regionais, as sanções e as restrições de visto (para que) os cúmplices no apoio aos atos não democráticos do governo de Ortega-Murillo prestem contas", afirmou o secretário americano de Estado, Antony Blinken, em um comunicado, referindo-se ao presidente e à sua mulher, Rosario Murillo. Na véspera, enquanto ocorria a votação, o presidente dos EUA, Joe Biden, chamou as eleições de "farsa".

Blinken afirmou que trabalhará com outras democracias, inclusive por meio da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), que se realiza esta semana, para "pressionar por um retorno à democracia por meio de eleições livres e justas e do pleno respeito pelos direitos humanos na Nicarágua". "Isso deve começar com a libertação imediata e incondicional dos presos injustamente", disse Blinken.

Após a apuração de metade das urnas, a presidente do CSE, Brenda Rocha, anunciou que o candidato liberal Walter Espinoza — apontado como colaborador do governo — aparecia em segundo lugar, com 14,4% dos votos. O CSE calculou em 65% a taxa de participação. Depois de votar no domingo, Ortega chamou os opositores de "terroristas" e "demônios". Também disse que "conspiraram contra a paz" do país.

O observatório independente Urnas Abertas afirmou, no entanto, que a abstenção alcançou 81,5%, mas não era possível verificar os dados. Segundo a entidade, a votação foi marcada pelo "controle paramilitar" e pelo "assédio a funcionários públicos" para forçá-los a votar.

Reações

Pouco depois da publicação dos resultados parciais, a União Europeia (UE) afirmou que as eleições "carecem de legitimidade". O governo da Espanha, por sua vez, considerou que o processo eleitoral foi um "escárnio". "As eleições completam a conversão da Nicarágua em um regime autocrático", ressaltou o bloco europeu, em um comunicado. Ao mesmo tempo, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, felicitou o aliado.

Depois de chegar ao poder pelas urnas em 2007, Ortega, que completará 76 anos na quinta-feira, terá mais cinco anos como presidente, no comando da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN). Terá novamente ao seu lado a influente esposa, Rosario Murillo, de 70 anos, que será vice-presidente pela segunda vez.

O ex-guerrilheiro sandinista, que também governou o país nos anos 1980, depois que a FSLN derrubou, em 1979, o ditador Anastasio Somoza, enfrentou Espinoza e outros quatro candidatos. Todos eram desconhecidos e classificados como colaboradores do governo.

Após 14 anos de poder, Ortega é acusado pelos críticos de nepotismo e de instaurar uma ditadura. O ex-guerrilheiro alega que seu governo é do povo e defende a soberania do país dos ataques dos Estados Unidos. Os opositores — a maioria no exílio, ou presa — defenderam a abstenção. No centro de Manágua, com bandeiras da FSLN, simpatizantes de Ortega festejaram durante a madrugada.

As eleições também definiram os 90 deputados do Congresso, que, assim como todos os poderes do Estado, está sob controle do governo. À medida que reformas eleitorais foram adotadas e o cerco se fechou à oposição, Ortega aumentou o percentual de suas vitórias. Em 2006 venceu com 38%; em 2011, com 63%; e, em 2016, com 72%.

Protestos

As eleições aconteceram três anos e meio após os protestos de 2018 que exigiram a renúncia de Ortega. A repressão deixou pelo menos 328 mortos e mais de 100 mil exilados, o que provocou uma grande crise no país de 6,5 milhões de habitantes.

Nos meses anteriores às eleições, três partidos foram considerados ilegais, e 39 ativistas sociais políticos, empresários e jornalistas detidos — incluindo sete aspirantes à Presidência. Desde 2018, 120 opositores foram presos.

"Como o regime perdeu boa parte de sua base social e, portanto, também de poder real, recorre a uma repressão crescente para tentar anular o processo de implosão em andamento", analisou o sociólogo Oscar René Vargas.

"A integridade do processo eleitoral foi esmagada pela detenção sistemática, perseguição e intimidação de pré-candidatos e líderes da oposição", afirmou o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, em um comunicado em nome dos 27 países do bloco.

Com base em leis aprovadas em 2020, os detidos foram acusados de atentar contra a soberania, de promover sanções internacionais, traição à pátria, ou lavagem de dinheiro. Esse último crime foi imputado à principal aspirante da oposição à Presidência, Cristiana Chamorro, filha da ex-presidente Violeta Barrios de Chamorro (1990-1997), que está em prisão domiciliar.

 

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