Às vésperas de completar 76 anos, o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, deve conquistar, hoje, o quarto mandato consecutivo de cinco anos com a esposa, Rosario Murillo, a quem chama de "copresidenta". O homem que governa o país da América Central com mão-de-ferro há 14 anos não terá rivais nas eleições deste domingo. Os 4,3 milhões de nicaraguenses registrados para votar estarão impossibilitados de escolher opositores de peso ao regime orteguista. Os principais adversários políticos de Ortega estão na prisão. A comunidade internacional advertiu que não reconhecerá a vitória do chefe de Estado. Os Estados Unidos anunciaram que as eleições são "uma farsa" que consolida a "ditadura" e prometeram aplicar todo o peso jurídico e diplomático para restaurar a via democrática.
Presidente nacional do Partido Ciudadanos por la Libertad (CxL), hoje exilada na Nicarágua, Kitty Monterrey (leia Duas perguntas para) contou ao Correio que seis candidatos "adversários" de Ortega disputam as eleições de hoje, todos eles desconhecidos e acusados de colaborar com o regime. "Nenhum deles tem a mínima capacidade de oposição, pois são os que o próprio Ortega quis que disputassem a eleição. Os verdadeiros candidatos estão na cadeia", lamentou. Ela se nega a classificar as votações como "uma verdadeira eleição" e culpa o regime orteguista por eliminar "qualquer possibilidade" de que os cidadãos possam escolher o próximo presidente.
"Ortega prendeu os sete principais candidatos presidenciais, acusando-os de traição à pátria, e os mantém no cárcere até hoje, em meio aos mais de 150 prisioneiros políticos. Também dissolveu três partidos opositores, entre eles o CxL, que encabeçava a única aliança opositora inscrita para o processo", explicou Monterrey.
A politica frisou que, além de não poderem escolher seus candidatos, os nicaraguenses não podem se manifestar, nem afirmar que são opositores ou que rechaçam o proesso eleitoral. "Os espaços públicos estão tomados pelas forças policiais. Ortega aprovou uma série de leis repressivas que criminalizam a oposição política, o trabalho jornalístico e a liberdade de expressão", acrescentou. Entre os aspirantes da oposição, os institutos de pesquisa apontavam Cristiana Chamorro — filha da ex-presidente Violeta Barrios (1990-1997) — como a favorita. Ela é mantida em prisão domiciliar.
Para o ativista dos direitos humanos Gonzalo Carrión Maradiaga, presidente do Colectivo Nicaragua Nunca Más, Ortega consumará, hoje, uma fraude que estaria em planejamento há meses. "Na Nicarágua, o ato de hoje, que é mais uma votação do que uma eleição, foi precedido de mais de três anos de uma sistemática repressão. Em 2018, vivemos sob a mira de um Estado de terror, de fuzis de guerra que mataram mais de 300 pessoas. No começo de 2021, o regime aprovou um conjunto de leis para facilitar maior repressão pela via legal", disse ao Correio.
Carrión prevê o mesmo para o país: um projeto dinástico de Ortega, acompanhado da esposa, Rosario Murillo. "O casal exerce o poder de modo ilegítimo. Quem viola os direitos humanos de seu povo não tem o direito de governar. Essa família pratica criimes de lesa humanidade", desabafou, ao revelar que mais de 100 mil nicaraguenses foram forçados ao exílio, sobretudo na Costa Rica e nos Estados Unidos. Ortega considera os opositores como "golpistas" e "criminosos" patrocinados por Washington.
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Ceticismo
Kitty Monterrey demonstra ceticismo em relação a uma pressão da comunidade internacional sobre a Nicarágua. Ela acredita que tal ação precisa ser tomada pela própria sociedade. "No entanto, é fundamental que o mundo mantenha denunciando e exigindo que o regime inicie um processo de abertura democrática. É inconcebível que na América Latina exista uma ditadura, como a da Nicarágua", critica.
A opositora afirma que o país é insustentável sob o regime de Ortega e aponta o agravamento da crise econômica e a migração forçada crescente como evidências. "Precisamos restabelecer a democracia pacificiamente, a fim de evitar que a Nicarágua afunde na pobreza extrema e na violência, como vimos na década de 1980." Segundo Carrión, a comunidade internacional tem "o compromisso moral, jurídico e político de erguer a voz pela Nicarágua". "Nós alcançaremos a democracia por vontade de nosso povo. A cooperação internacional é necessária nessa luta pela liberdade."
Um dos comandantes da luta contra o sandinismo na década de 1980, Óscar Sobalvarro disse ao Correio que "a verdadeira oposição não participa do processo eleitoral". "A população não está motivada a participar da votação, pois os partidos em disputa carecem de credibilidade e não despertam nenhuma confiança", comentou.