Líderes e delegações de negociadores de mais de 100 países têm apenas 11 dias para firmar um consenso sobre compromissos ambiciosos capazes de reduzir o impacto das mudanças climáticas sobre o planeta. Na abertura da COP26, a conferência da ONU sobre o clima, em Glasgow (Escócia), o seu presidente, o britânico Alok Sharma, classificou o evento como a "última e melhor esperança" de limitar o aquecimento global a 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais — meta estabelecida pelo Acordo de Paris. "A mudança climática não tirou férias. Todas as luzes estão vermelhas no painel climático", advertiu. "Se agirmos agora e juntos, podemos proteger nosso precioso planeta", ressaltou.
Sharma advertiu que os efeitos do aquecimento global se fazem sentir na forma de "inundações, ciclones, incêndios florestais, recordes de temperatura". Em seu discurso, a mexicana Patricia Espinosa, secretária-executiva da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), comentou que "a humanidade enfrenta escolhas difíceis, porém, claras". "Podemos escolher reconhecer que continuar com as coisas como estão não vale o preço devastador que teremos que pagar e fazer a transição necessária, ou podemos concordar em participar de nossa própria extinção", advertiu.
Por sua vez, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson alertou: "Se Glasgow fracassar, a coisa inteira fracassará". Segundo ele, o fiasco da COP26 também desmoronaria o Acordo de Paris. "O único mecanismo viável do mundo para lidar com as mudanças climáticas ficaria furado abaixo da linha da água", afirmou, ao comparar o pacto mundial firmado em 2015 com um barco. "Neste momento, o Acordo de Paris e a esperança que o acompanha são apenas um pedaço de papel."
Em Roma, onde participou do encerramento da cúpula do G20 — os 19 países mais industrializados do mundo mais a União Europeia —, Johnson frisou que não há desculpas para a omissão no combate às mudanças climáticas. Uma das ausências mais notadas da COP26 é a do presidente Jair Bolsonaro, que temia críticas pela política ambiental brasileira.
Especialistas
Em entrevista ao Correio, o britânico Piers Forster — professor de física da mudança climática da University of Leeds e autor de relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) — demonstrou ceticismo em relação a compromissos mais ambiciosos durante a COP26. "Como as metas revisadas foram submetidas antes da COP, elas não mudarão agora. Em vez disso, estamos buscando ações tangíveis para acabar com o carvão, impedir o desmatamento, levar adiante um pacto para descontinuar o uso de carros movidos a gasolina, além de investir em projetos de energias renováveis e de adaptação em nações emergentes. O grande tema aqui é exatamente o das finanças. Se houver um fluxo genuíno de dinheiro a partir dos países desenvolvidos, isso construirá confiança", previu.
Para Forster, a mitigação dos efeitos do aquecimento global dependerá de uma quantia razoável de verba canalizada pelos países mais ricos e da transferência de tecnologia. "As nações industrializadas têm sido muito egoístas em relação ao envio de vacinas anticovid-19 para as nações emergentes", exemplificou, ao cobrar uma postura mais incisiva.
Cientista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e autor líder do relatório do IPCC, o paraibano Lincoln Alves, 44 anos, vê a COP26 como um "momento de oportunidade, de rever conceitos e de quebrar paradigmas". Segundo ele, a conferência ocorre em um contexto positivo, alinhado ao lançamento do documento do grupo 1 do IPCC, em agosto passado. "O relatório traz todas as evidências científicas de que a mudança do clima é real, incontestável e atinge todas as regiões do planeta", disse ao Correio.
Alves duvida que o mundo consiga limitar o aumento da temperatura média a 1,5°C pactuado no Acordo de Paris e lembra que o patamar atual é de 1,1°C. "Se continuarmos com esse ritmo de emissões de gases do efeito estufa, em meados de 2050 poderemos ultrapassar o limite de 1,5°C. Espero que os países reforcem suas metas de compromisso, já consideradas bastante ambiciosas", acrescentou o brasileiro, que participará virtualmente de dois painéis da COP26.
O especialista do INPE defende o fim do subsídio aos combustíveis fósseis e credita aos governantes a falta de vontade em se comprometerem mais com o clima. "O custo das fontes de energia renovável caiu substancialmente e a tecnologia atual permite a transição. De alguma forma os países desenvolvidos precisam apoiar as nações em desenvolvimento para que a transição energética seja concreta", observou Lincoln Alves.
J. Timmons Roberts, diretor do Laboratório de Desenvolvimento e Clima da Brown University (EUA) e diretor da Rede de Ciências Sociais do Clima (CSSN.org), considera a meta de 1,5°C extremamente ambiciosa. "No entanto, é importante que as nações tentem chegar lá. Não é justo que cada país tenha ações iguais. Os ricos e os mais responsáveis têm que fazer mais", disse à reportagem. "Os paises desenvolvidos precisam reduzir as emissoes em 50% até 2030, em 80% até 2040, e em 100% até 2050", defendeu o estudioso, que participará da COP26 na próxima semana.
Acordo tímido do G20
A cúpula das 19 maiores economias do mundo, mais a União Europeia (UE), terminou com sabor agridoce, em Roma. Os chefes de Estado e de governo dos países responsáveis por 80% das emissões de gases poluentes confirmaram as baixas expectativas e alcançaram um acordo apenas tímido sobre as mudanças climáticas. O resultado do encontro de dois dias frustrou ambientalistas e foi interpretado com sinal do imenso desafio que a COP26 terá pela frente.
"Nós reconhecemos que os impactos das mudanças climáticas em (um aumento de) 1,5 grau Celsius são muito menores do que em 2 graus. Manter 1,5 grau Celsius ao alcance exigirá ações efetivas e um compromisso de todos os países", afirma a declaração final da cúpula do G20. Segundo os líderes que redigiram o texto, o consumo e a produção sustentáveis e responsáveis servirão como "capacitadores críticos, no contexto do desenvolvimento sustentável".
Apesar do compromisso em limitar o aquecimento global a 1,5ºC em relação à era pré-industrial e a reduzir o uso do carvão, os países-membros do G20 não definiram uma data precisa para a neutralidade de carbono.
"Tivemos um G20 razoável, mas ainda há um longo caminho a percorrer", reconheceu o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, anfitrião da COP26 em Glasgow. O colega italiano, Mario Draghi, garantiu que todos os líderes estão "orgulhosos" dos resultados alcançados nos debates, mas adotou um tom comedido. "Devemos lembrar que é apenas o começo", disse o premiê, ao avaliar os compromissos firmados na cúpula do G20 como "mais um passo em uma longa e difícil transição".
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Gutérres, admitiu que deixava Roma com as "esperanças insatisfeitas". "Pelo menos elas não estão enterradas", resignou-se.
As 20 nações mais desenvolvidas também reafirmaram o compromisso, até agora não cumprido, de mobilizar US$ 100 bilhões (ou R$ 564 bilhões) para os custos de adaptação às mudanças climáticas nos países em desenvolvimento.
"Os efeitos dessa transição podem ser negativos para os países em desenvolvimento se não levarmos em conta essa condição desigual" com os desenvolvidos, tuitou o presidente argentino Alberto Fernández, também defendendo "acordos sustentáveis de dívida externa".
Professor de física do clima da University of Leeds e autor de relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o britânico Piers Forster disse ao Correio que o resultado da cúpula do G20 "não foi terrível, mas também não foi tão poderoso". "Faltava a urgência da próxima década. Todos os países precisam agir agora", avaliou.
Biden
O presidente norte-americano, Joe Biden, criticou o desempenho dos colegas Xi Jinping (China) e Vladimir Putin (Rússia) durante a cúpula do G20. Segundo Biden, ambos "não se mostraram" na hora de "assumir compromissos sobre o clima". O democrata afirmou que a reunião em Roma "demonstrou o poder dos Estados Unidos quando (o país) se compromete".
Biden assegurou que o G20 obteve resultados "tangíveis" sobre clima, pandemia e economia. "O que vimos é o poder dos EUA quando se envolvem e trabalham com nossos aliados", declarou. "Nada substitui as negociações cara a cara para a cooperação mundial." A cúpula do G20 em Roma foi a primeira no formato presencial desde junho de 2019.
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