A crise na Etiópia ganhou, ontem, novos contornos, depois que o governo etíope declarou estado de emergência em todo o país por seis meses. A medida foi adotada dois dias depois de os insurgentes da região do Tigré terem reivindicado o controle de duas cidades estratégicas, afirmando que consideram marchar rumo à capital, Adis Abeba. "O estado de emergência visa proteger os civis contra as atrocidades cometidas pelo grupo terrorista Frente de Libertação do Povo Tigré (TPFL) em várias regiões do país", informou o Fana Broadcasting Corporate, a mídia estatal.
A TPLF reivindicou nos últimos dias a captura de Dessie e Kombolcha, localizadas em um cruzamento estratégico cerca de 400km ao norte de Adis Abeba. O governo negou ter perdido o controle dessas cidades, mas se for confirmada, tal captura marcará outra fase importante no conflito que já se arrasta por um ano.
Em meio aos anunciados avanços dos rebeldes, o primeiro-ministro Abiy Ahmed pediu à população, há dois dias, que peguem em armas para se defenderem. Ontem cedo, as autoridades orientaram os moradores da capital etíope a registrarem suas armas e se prepararem para defender seus bairros.
As comunicações foram interrompidas em grande parte do norte da Etiópia e o acesso dos jornalistas se tornou restrito, dificultando a verificação independente da situação no país.
Essa recente escalada do conflito preocupa a comunidade internacional, que, nos últimos dias, renovou seus apelos por um cessar-fogo imediato e negociações de paz. O enviado americano para o Chifre da África, Jeffrey Feltman, declarou, ontem, que Washington se opõe a "qualquer movimento da TPLF em direção a Adis Abeba ou qualquer ação destinada a sitiar a capital", durante uma intervenção no Instituto Americano para a Paz, um centro federal que promove a resolução de conflitos.
Punição
Os Estados Unidos também anunciaram que vão retirar importantes vantagens comerciais concedidas à Etiópia. Segundo comunicado do governo americano, a medida decorre de "graves violações de direitos humanos reconhecidas internacionalmente, perpetradas pelo governo etíope e outras facções no norte do país". A Etiópia deplorou a decisão que "reverterá importantes ganhos econômicos".
O Tigré, em meio a um conflito de quase um ano entre as autoridades dissidentes locais e as forças do governo de Abiy Ahmed, foi palco de massacres e violações em massa, denunciadas pelo secretário de Estado americano, Antony Blinken, como "atos de limpeza étnica".
Ontem, no Instituto Americano para a Paz, Jeffrey Feltman ressaltou que as coisas não podem continuar "como de costume" com o governo da Etiópia, o qual acusou de dificultar intencionalmente a ajuda humanitária. "Nenhum governo pode tolerar uma insurgência armada, nós entendemos, mas nenhum governo deveria adotar políticas ou permitir práticas que resultem na fome maciça de seus próprios cidadãos", ressaltou.
O conflito do Tigré começou em 28 de novembro de 2020. Prêmio Nobel da Paz de 2019, o premiê Abiy Ahmed proclamou vitória naquele dia, poucas semanas depois de enviar o Exército a Tigré para destituir as autoridades regionais dissidentes da TPLF.
Sete meses depois, porém, a situação experimentou uma mudança dramática. Foi quando os rebeldes recuperaram a maior parte da região, forçando um recuo das tropas do governo. Ao mesmo tempo, continuaram sua ofensiva nas regiões vizinhas de Amhara e Afar.
A posterior propagação dos combates para a vizinhança deslocou centenas de milhares de pessoas e aumentou a crise humanitária que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), deixou 400 mil pessoas à beira da fome. Em setembro, as autoridades de Amhara estimaram que pelo menos 233 mil civis que fugiam do avanço rebelde encontraram abrigo em Dessie e em Kombolcha.
Na segunda-feira, moradores de Kombolcha procurados pela agência de notícias France-Presse disseram ter ouvido tiros, continuamente, até a madrugada. Outros afirmaram que houve um ataque aéreo.
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Sem isenções
O presidente Joe Biden notificou ao Congresso que, a partir de 1º de janeiro, a Etiópia será privada das preferências de tarifas concedidas por uma lei americana aos países da África subsaariana. Guiné e Mali, que sofreram golpes de Estado, também vão perder o benefício. A Lei de Crescimento e Oportunidades para a África (Agoa), lançada em 2000, oferece a 40 nações africanas amplas isenções alfandegárias para exportar seus produtos aos EUAs desde que se comprometam a respeitar os direitos humanos e as condições de trabalho.