No primeiro dia da cúpula do G20 — as 19 maiores economias do planeta mais a União Europeia —, em Roma, os líderes chegaram a um consenso sobre uma reforma tributária global sem precedentes. A proposta, que começaria a vigorar em 2023 e dependeria de mudanças na legislação de cada país, prevê taxação mínima de 15% sobre os lucros das multinacionais e tem por objetivo colocar fim aos paraísos fiscais. Apesar da medida considerada histórica, todas as expectativas estão voltadas para acenos concretos sobre o combate às mudanças climáticas.
Começa neste domingo (31/10), em Glasgow (Escócia), a conferência sobre o clima das Nações Unidas (COP26). Especialistas apontam o evento como um ponto de inflexão para o futuro da Terra. Um rascunho da declaração final da cúpula do G20, obtido pela agência Reuters, indicava poucas ações consistentes para limitar as emissões de carbono, apesar do compromisso dos países de manterem a média de aumento da temperatura global abaixo dos 2 graus Celsius e de se esforçarem para restringir o acréscimo a 1,5 grau, em comparação aos níveis pré-industriais.
Um alto funcionário do governo dos EUA admitiu a jornalistas que elementos sobre o clima na declaração final "ainda estão sendo negociados". Durante o jantar de gala no Palácio do Quirinal, o presidente italiano, Sergio Mattarella, urgiu que não desviassem o foco do tema. "Não devemos deixar para aqueles que virão depois de nós um planeta atolado em conflitos, cujos recursos foram desperdiçados", defendeu Mattarella. "Os olhos de bilhões de pessoas (...) estão voltados para nós."
Na sexta-feira, o premiê britânico, Boris Johnson, defendeu ações ambiciosas para enfrentar as mudanças climáticas. De acordo com ele, um fracasso dos países na COP26 pode levar a "eventos geopolíticos muito difíceis". "Se você aumenta as temperaturas do planeta em quatro graus ou mais, (...) você produzirá escassez (de comida), desertificação, disputa por comida e água e imensas migrações de pessoas. São coisas muito difíceis de controlar, politicamente", advertiu.
"Pedimos aos líderes do G20 que parem de jogar uns com os outros. Escutem o povo e ajam em favor do clima, como a ciência reivindica há anos", declarou à agência France-Presse (AFP) Simone Ficicchia, de 19 anos, ativista do movimento Fridays for Future. Iniciado pela ativista sueca Greta Thunberg, este movimento promoveu, com organizações da esquerda, uma marcha na qual participaram 5 mil pessoas, ontem, no centro de Roma.
Pandemia
Os chefes de Estado e de governo não mantinham reuniões presenciais desde junho de 2019, quando o Japão recebeu os representantes do G20, nove meses antes de a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciar a pandemia. Além das questões tributária e climática, a crise sanitária provocada pela covid-19 permeou os debates de ontem.
Anfitrião do encontro, o primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, tachou de "moralmente inaceitável" a disparidade do acesso à vacinação entre os países mais e menos desenvolvidos. Presidente pro tempore do G20, ele lembrou que 3% das 6 bilhões de doses de imunizantes aplicadas foram para as nações mais pobres. Ele instou os colegas a fazerem "tudo o que puderem" para que 70% da população mundial esteja imunizada até a metade de 2022.
"A pandemia nos separou. Mesmo antes, enfrentamos protecionismo, unilateralismo, nacionalismo. Mas, quanto mais avançarmos com os nossos desafios, fica mais claro que o multilateralismo é a melhor resposta aos problemas que enfrentamos", declarou Draghi.
O presidente da China, Xi Jinping, apelou pelo "reconhecimento mútuo das vacinas". Ele contou que forneceu mais de 1,6 bilhão de doses de imunizantes para o mundo e que trabalha com 16 nações para a fabricação do fármaco. Assim com o líder russo, Vladimir Putin, Xi participa do evento por videoconferência.
O premiê do Canadá, Justin Trudeau, divulgou que doará 200 milhões de doses de vacinas anticovid-19 até o fim de 2022. O repasse será feito ao Covax. O sistema visa garantir que 92 países desfavorecidos recebam vacinas gratuitas financiadas pelas nações mais prósperas.
Taxação sobre os lucros
A aprovação da reforma tributária global será oficializada na declaração final do G20 marcada para hoje. A medida era dada como certa depois que 136 países avalizaram, no início de outubro, o pacto negociado sob mediação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O G20 aprovou "um acordo histórico sobre as novas regras tributárias internacionais, incluindo um imposto mínimo global que poderia acabar com a prejudicial corrida dos impostos corporativos", celebrou a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, por meio de um comunicado.
A reforma deve permitir que essas 136 nações, que representam 90% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, gerem cerca de US$ 150 bilhões de renda adicional por ano graças a esse imposto mínimo. Caberá a cada Estado legislar sobre a sua introdução em seus mercados nacionais a partir de 2023.
A medida se estrutura em dois pilares. Um deles é a alíquota mínima de 15% para empresas com faturamento superior a 750 milhões de euros por ano (US$ 867 milhões ou R$ 4,78 bilhões). O outro pilar visa garantir que os rendimentos pagos pelas grandes empresas cheguem aos países onde lucram e não onde têm sua sede, o que limitaria as polêmicas práticas de otimização fiscal.
Esta medida será aplicada às multinacionais cujo volume de negócios global seja superior a 20 bilhões de euros (cerca de 23 bilhões de dólares) e cuja rentabilidade seja superior a 10%.
Os líderes do G20 aproveitaram a cúpula para fazer também reuniões paralelas, como as do presidente da Argentina, Alberto Fernández, em plena renegociação da dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Fernández lançou, assim, uma ofensiva diplomática com dirigentes da Alemanha, França, Espanha — país convidado — e União Europeia (UE), antes de se reunir à tarde com a diretora do FMI, Kristalina Georgieva, na embaixada argentina da capital italiana. A Argentina renegocia uma dívida de US$ 44 bilhões (ou R$ 248 bilhões).